Por que e quais os perfis de usuários engajam com as notícias nas mídias sociais? Esses são questionamentos frequentes de acadêmicos e do mercado jornalístico que busca entender como impulsionar seu produto, as notícias, no que é, atualmente, o principal canal de distribuição (as redes sociais). Três pesquisadores vinculados à Universidade de Tel Aviv, em Israel, propõem que também se faça outra pergunta: como os consumidores de notícias se comportam a partir das usabilidades de cada rede?

Esse é a discussão do artigo Unpacking news engagement through the perceived affordances of social media: A cross-platform, cross-country approach, publicado em março deste ano na New Media & Society e debatido pelo GJOL no último dia 22 de maio. Em tradução livre, o título do estudo seria “Descompactando o engajamento com as notícias por meio das affordances percebidas das mídias sociais: uma abordagem entre plataformas e países”.

Vale ler o artigo se lhe interessar entender os mecanismos pelos quais a tecnologia intermedia o comportamento dos consumidores de notícias e se busca insights para otimizar o design de ambientes digitais no consumo e distribuição de notícias. Dois destaques da discussão do artigo na reunião do GJOL, detalhados adiante, seriam a ideia de “platform swinging” e o modo como as notícias são apresentadas na survey.


Um ‘resumão’ do estudo 

Autores: Shira Dvir-Gvirsman (pesquisa efeitos psicológicos da mídia), Daniel Sude e Guy Raisman.

Objetivo: Explorar como o engajamento dos usuários com notícias varia tendo como preditor principal as percepções dos usuários sobre as affordances das plataformas.

Base teórica:
affordance percebida, mediação tecnológica e abordagem centrada no objeto.

Testa
seis hipóteses e uma questão de pesquisa.

Como:
Survey. Pediu aos usuários que avaliassem suas percepções de recursos nas plataformas de mídia social que usam regularmente medindo percepções sobre a disposição de receber e compartilhar notícias.

Interpretação dos dados:
análises estatísticas com uso de regressões de modelagem multinível aleatória por participante e país.

11.905

É o total da amostra final. Amostra não representativa com respondentes nos EUA, Reino Unido, França, Suécia, Alemanha, Israel, Hong Kong e Japão.


 

Se você está se perguntando o que são affordances, vale entender o conceito antes de iniciar a leitura. Vindo da psicologia ecológica, é um termo que foi apropriado pela comunicação, principalmente na área de designer de experiência. Por aqui pelo GJOL, uma referência sobre esse tema é a dissertação de Adalton Fonseca (2015). Ele explica: “De modo sintético, o termo se refere às propriedades que são percebidas em determinado objeto definindo seu uso ou, como preferimos dizer, elas emergem da relação entre usuário e objeto por conta de diversas variáveis relacionadas aos atributos e operações interpretativas” (p. 21). Adalton, em seu trabalho, lembra que não há uma tradução precisa em português para o termo. Outra forma de se aproximar dessa discussão é o vídeo do Grupo de Pesquisa Convergência e Jornalismo (ConJor), da Federal de Ouro Preto.

 

Voltando ao artigo…

Os autores concluem que as percepções dos usuários sobre recursos tecnológicos são vitais para moldar como vão se comportar em relação ao consumo e compartilhamento de notícias na internet e nas mídias sociais. Há um grande esforço dos autores em focar nos aspectos técnicos e materiais das plataformas, mas eles não deixam de reconhecer na discussão que a relação dos indivíduos com as notícias nas mídias sociais é uma prática social (não que sejam esses aspectos excludentes). O que reforça isso também é outra conclusão a que chega o estudo, a de que há diferenças claras entre os comportamentos de países ocidentais e das percepções no Japão e Hong Kong. Inclusive, esse é um bom aspecto da pesquisa: ser comparativo, tanto em relação aos oito países pesquisados como também por levar em conta multiplataformas (Facebook, Instagram, TikTok, YouTube, Twitter e aplicativos de mensagens instantâneas populares em cada país).

“more through pushing than pulling”

Mais ‘Push’ que ‘Pull’ – autores usam referência comum do marketing pra explicar o modo como os usuários têm acesso às notícias nas mídias sociais.

Embora a ideia do “meio é a mensagem” tenha passado a ser questionada no contexto da comunicação em rede (ver discussão recente aqui do GJOL), temos neste artigo as affordances dos canais em que as notícias circulam como preditoras do modo de consumo e compartilhamento. Para os autores, destacam-se as possibilidades de anonimato do usuário, a persistência de conteúdo (se expira como um story do Instagram ou tem um aspecto mais recuperável como um tweet), a percepção sobre a personalização desse conteúdo e o modo como esse consumo ou compartilhamento se dá em termos de associações que esse usuário faz com outros da sua rede. As hipóteses sobre como se dá essa modulação de comportamento para cada um desses quatro itens foram baseadas na lista das affordances comunicativas propostas por Fox e McEwan (2017). 

Zapeando nas redes

Um dos pressupostos dos autores para observar as affordances de cada plataforma é o aumento do número de plataformas sociais disponíveis, de modo que um usuário médio de redes sociais tem cerca de seis contas e pratica o que Edson Tandoc Jr e colegas chamam de “platform swinging”, ou seja, os usuários identificam características e oportunidades entre cada uma das redes e migra de uma para outra conforme suas necessidades de comunicação, interação (busca por gratificações, como indica os autores do original) e, acredita-se, também de acordo com os comportamentos de consumo e compartilhamento de notícias. A ideia de “platform swinging” é interessante, lembra o comportamento que no Brasil ficou conhecido como ‘zapear’ em relação ao consumo de TV. A discussão sobre comportamentos do consumo de mídia também está bastante conectada com o livro Abundance, de Pablo J. Boczkowski, que rendeu uma edição especial do GJOLCast.

Você sabe o que é notícia?

Um aspecto de destaque nos procedimentos do estudo é que os pesquisadores não pressupõem que os usuários sabem o que é notícias. Eles relatam que deram exemplos específicos de cada país com conteúdos e organizações noticiosas. Os exemplos não foram demonstrados, mas há uma introdução em algumas das perguntas disponíveis no apêndice do artigo.

Nas próximas questões, perguntaremos sobre sua exposição a notícias no Instagram. Por notícias, entendemos qualquer conteúdo criado por organizações de notícias e postagens de notícias, links para matérias jornalísticas ou reportagens. Não nos referimos a postagens ou outros tipos de conteúdo que possam incluir informações, mas foram criados por não jornalistas. (tradução nossa)

Isso é interessante. Sabe-se que a ideia do que é ou não notícia não é precisa, nem mesmo entre grupos homogêneos, que dirás em países diferentes. Essa noção parece ter sido ainda mais bagunçada pelas redes sociais o que reforça a preocupação que podemos adotar em nossas pesquisas. Mas, o que diferenciaria nas redes sociais um post noticioso de um post comum, apenas a autoria? Talvez, tema para outras pesquisas.

Aqui o artigo completo na New Media & Society.

 


Referências

DVIR-GVIRSMAN, Shira; SUDE, Daniel; RAISMAN, Guy. Unpacking news engagement through the perceived affordances of social media: A cross-platform, cross-country approach. New Media & Society, 3 mar. 2023. 

FONSECA, Adalton dos Anjos. A inovação no jornalismo em revistas para tablets: uma análise a partir das affordances e da convergência de conteúdos jornalísticos. 2015. Dissertação (mestrado) – Faculdade de Comunicação, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2015.

FOX, Jesse; MCEWAN, Bree. Distinguishing technologies for social interaction: The perceived social affordances of communication channels scale. Communication Monographs, v. 84, n. 3, p. 298–318, 2017.

TANDOC, Edson C; LOU, Chen; MIN, Velyn Lee Hui. Platform-swinging in a poly-social-media context: How and why users navigate multiple social media platforms. Journal of Computer-Mediated Communication, v. 24, n. 1, p. 21–35, 1 Jan. 2019.