Pessoas mais jovens, em muitos países, consomem notícias em redes sociais como Instagram, Snapchat e TikTok para obter informação sobre a Covid-19. Jovens dificilmente são leais a marcas, embora busquem a fidedignidade da informação em organizações confiáveis em momentos de crise. Estes são alguns marcadores sobre consumo de notícias pela população jovem, presentes, de forma transversal, no relatório anual da Reuters Institute for the Study of Journalism, o Digital News Report 2020, divulgado este mês.

A pesquisa geral não trata especificamente do consumo de notícias desta faixa etária (18-24 anos), por isso, os elementos associados à essa população aparecem no documento de forma indireta. Este grupo etário, a chamada geração Z, ou nativos digitais, representa uma faixa da população de grande interesse para organizações jornalísticas em todo o mundo, mas também um grande desafio.

Como conquistar a atenção desta população para o consumo de notícias em um momento de proliferação da desinformação? De que modo se pode pensar em uma literacia jornalística a partir de informações como as que são trazidas por esta pesquisa? São exemplos de interrogações que fazem refletir não só o mercado como também o campo acadêmico.

O Digital News Report 2020 (clique aqui para baixar a íntegra do documento) baseia seus resultados, este ano, em duas amostras distintas. Uma delas coletada no período pré-pandemia (final de janeiro), a qual abrangeu 80 mil entrevistados em 40 países de seis continentes; e uma segunda, realizada em abril, já em plena crise provocada pelo novo coronavírus. Esta segunda amostra, coletada em seis países, não alcança o Brasil (Reino Unido, EUA, Alemanha, Espanha, Coréia do Sul e Argentina).

Um resumo sobre os dados gerais da pesquisa no Brasil pode ser lido no blog do pesquisador do GJOL, Moisés Costa Pinto. A professora da Facom e pesquisadora do GJOL, Lívia Vieira, também fez um resumo sobre os resultados do relatório na Farol Jornalismo, newsletter da qual é editora.

Um estudo complementar, este ano, foi realizado para saber como as pessoas acessam notícias sobre mudanças climáticas e, neste tema, os jovens têm papel importante – o que será tratado em uma outra postagem neste blog. Abaixo, um resumo comentado dos principais pontos envolvendo consumidores de notícias entre 18 a 24 anos.

Principais pontos do relatório – jovens e consumo de notícias

Covid-19 e consumo de notícias em redes. Jovens consumiram notícias sobre a Covid-19 em grande proporção através de redes como Instagram, Snapchat e TikTok (dados dos seis países cuja amostra foi coletada em abril). Influenciadores e celebridades tiveram papel importante nesse processo.

De um modo geral, o relatório destaca que houve um aumento significativo no uso de redes sociais em todas as faixas etárias, com destaque para WhatsApp.  Na Argentina, 49% de entrevistados entre 18-24 anos usaram a rede Instagram para consumo de notícias sobre a Covid-19. Na Alemanha o percentual para esta rede foi de 38%. “Um em cada dez (11%) acessou as notícias do COVID-19 via TikTok nos EUA e 9% na Argentina” (p. 13). Veja detalhes no gráfico abaixo:

consumo notícias Covid-19 DNR2020

Gráfico 1. Fonte: Digital News Report 2020

O relatório destaca que as redes e mídias sociais ajudam a espalhar notícias falsas e informações enganosas acerca da Covid-19, contudo, também funcionaram como apoio contra a ansiedade e isolamento. Em relação à população em geral, as redes são usadas como fonte de informação combinadas com as mídias tradicionais de notícias. Entre jovens este mix é muito mais presente.

Porta de acesso para notícias e lealdade às marcas. Pessoas mais jovens estão ainda menos conectadas às marcas de notícias quando em comparação com a geração Y ou do milênio (25-34 anos) – e são mais dependentes das mídias sociais. Ou seja: jovens dificilmente constroem lealdade com marcas de organizações jornalísticas. O hábito de consumir notícias cada vez mais em plataformas digitais vem crescendo em todas as faixas de idade. A diferença está a partir de onde a pessoa busca a notícia (ou onde a notícia aparece).

Em todos os países, mostra a pesquisa, 28% (mais de um quarto da amostra) prefere iniciar sua busca diária por notícias de/em um site ou aplicativo específicos de notícia.Contudo, quando se faz o recorte por idade, a população entre 18-24 anos tem uma conexão muito menor em relação às marcas: somente 16% buscam notícias diretamente de/em sites ou apps de notícias específicos. Além disso, esses jovens têm uma probabilidade duas vezes maior de acessar notícias a partir das redes sociais (feed de notícias).

Canais de consumo de notícias DNR2020

Gráfico 2. Fonte: Digital News Report 2020

O documento alerta para o fato de que “se os grupos mais jovens não puderem ser persuadidos a acessar websites e aplicativos [das marcas], os editores precisarão se concentrar mais em como construir audiências através de plataformas de terceiros, como o Facebook, Twitter, YouTube e Snapchat”.

Ainda assim, adverte sobre as relações de negócios com essas plataformas, nem sempre atraentes. E que esses ambientes agregados ainda não se mostraram eficientes para a construção de lealdade com o consumidor da informação.  O relatório sugere que distribuição de notícias em formatos como vídeo, podcast, e-mails (newsletter) e notificações mobile podem ajudar a persuadir os jovens, mas não são garantia de lealdade.

Os podcast, aliás, têm se tornado um canal para lealdade a marcas em muitos países em diversas faixas de idade, diz o relatório. De um modo geral, os ouvintes de podcast tendem a ser mais jovens e o hábito de consumo se dá em dispositivo mobile com fones de ouvido. Mas há uma diferença de comportamento entre os jovens do milênio e a geração Z: podcast de notícias são mais populares entre os 25-34 anos e pessoas entre 18-24 anos têm menos probabilidade de ouvir podcast de notícias factuais. Contudo, a geração Z consome muito podcast sobre estilo de vida e celebridades.

Parcialidade, neutralidade. Em um mundo no qual a polarização política ocorre em diversos países, como no Brasil, o que muitas vezes reflete na forma como as pessoas aceitam ou rejeitam as notícias, a pesquisa também se debruçou acerca da preferência das pessoas, em cada faixa de idade, por fontes de notícias (organizações jornalísticas, emissoras…) que compartilhem de sua opinião (parcialidade), que não apresentem um ponto de vista específico (neutralidade, objetividade) e notícias que desafiam/discordem de seu ponto de vista.

A pluralidade de vozes sobre um acontecimento bem como ‘ouvir os dois lados’ de uma história são princípios básicos do jornalismo. O relatório admite a dificuldade, da parte do público, em interpretar noções de objetividade em um momento de crescente polarização política, “mesmo em questões em que o peso das evidências científicas favorece esmagadoramente um dos lados”.

Apesar da polarização política em muitos mercados, a maioria em cada país prefere notícias objetivas (neutralidade), que não apresentem um ponto de vista específico. Mas os jovens são os menos propensos a favorecer notícias que não apresentem um ponto de vista.

neutralidade e parcialidade consumo de notícias por idade DNR2020

Gráfico 3. Fonte: Digital News Report 2020

O gráfico acima mostra que a maioria dos respondentes na faixa etária entre 18-24 anos e 25-34 anos ainda prefere notícias neutras (conjunto de barras central), ainda que seja o menor percentual entre as faixas etárias. Contudo, entre os que preferem fontes que compartilhem de sua opinião (parcialidade), a maior faixa está entre os jovens (18-24 anos e 25-34 anos) sinalizando uma tendência. Apesar disso, é interessante notar que são também os jovens os que estão mais interessados em ter contato com fontes que desafiem seu ponto de vista.

Recente estudo qualitativo sobre comportamento de consumo de notícias entre menores de 35 anos (Reuters Institute for the Study of Journalism & Flamingo, 2019), também aponta que os grupos etários mais jovens “tendem a responder bem a abordagens e tratamentos que têm um ponto de vista claro”.

Mas esse comportamento é diferente de ter opinião extrema ou polarizada. “Os jovens são mais ambivalentes”, diz a pesquisa deste ano. “Buscam marcas de maior confiança em tempos de crise, mas também querem histórias autênticas e poderosas [outras fontes de informação], e são menos propensos a serem convencidos por uma abordagem ‘ele disse, ela disse’”. Ou seja, tendem a repelir um formato que envolva uma “falsa equivalência”. Não parece fazer sentido para essa população uma abordagem de se expor um lado e outro da história, sem uma posição clara da fonte de informação, sobretudo em temas relevantes a exemplo de mudanças climáticas.