Quando olhamos para o jornalismo, para qual dimensão estamos olhando mesmo? Para o doutor em Jornalismo Elias Machado, atualmente professor da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC, precisamos de quatro lentes para uma melhor fotografia do campo. O jornalismo como prática social, profissional, pedagógica e científica. Foram nesses eixos que ele dividiu sua provocativa fala durante a homenagem que a Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo (SBPJor) fez à sua primeira diretoria. Elias, que é um dos fundadores do Grupo de Pesquisa em Jornalismo On-Line (GJOL), foi o primeiro presidente da SBPJor.  

Em uma das sessões do último encontro da entidade, na UnB, em Brasília, Elias compartilhou sua trajetória profissional desde a posição de comunicador autodidata, passando por suas pesquisas e experiência em sala de aula. Causou inveja com seu investimento de cinco mil dólares na obra completa de Otto Groth para defender investimento na área, orgulhou-se de ser doutor em Jornalismo propriamente, cobrou inovação social nas pesquisas a partir de reformulações dos programas de pós-graduação, opinou por cursos noturnos de jornalismo nas faculdades públicas e provocou a necessidade de se pensar o jornalismo além do capitalismo. A fala do professor Elias, disponível em vídeo abaixo, deve ser publicada em texto pela SBPjor sob título “Algumas reflexões sobre o jornalismo como prática social, profissional, pedagógica e científica”. 

Foto com um grupo em duas fileiras que compões a primeira diretoria da SBPJor, Em destaque, ao centro, o professor Elias Machado, de Azul, entre está entre Luiz Gonzaga Motta (UnB) e Eduardo Meditsch (UFSC) .

Primeira diretoria da SBPJor. Ao centro, de azul, professor Elias Machado foi o primeiro presidente da entidade  | Foto: Gerson Luiz Martins/Acervo

 

Nesta entrevista, que roubou alguns minutos do almoço de Elias na saída do segundo dia do 21º Encontro da SBPJor, ele posiciona o professor  sênior na pesquisa em jornalismo, defende a necessidade de inovação e interlocução do campo para atender necessidades da prática do jornalismo e dá dicas para pesquisadores iniciantes. 

 

ALEXANDRO MOTA: Quem está na pesquisa, principalmente quem está começando, como eu, se conforta um pouco com a ideia disseminada de que você só precisa dar apenas pequenas contribuições ao campo… 

ELIAS MACHADO: Mas pode dar grandes, não está proibido…

Sim, sim! Mas eu tenho a sensação que, às vezes, temos pequenas contribuições muito fragmentadas…

De fato.

A minha questão é: a quem cabe, se é que cabe a alguém, unir essas pequenas contribuições?

Isso tem a ver com a questão metodológica nos cursos de pós. A definição das escalas tem duas dimensões. A primeira já começa na iniciação científica. A ciência usa os mesmos métodos, a diferença é o grau. Por isso que a pesquisa tem que começar na graduação, mas não de forma isolada. É a experiência do JOL, no GJOL nós já fizemos isso. O GJOL é um grupo de pesquisa que é um processo em constante mutação, que traz da graduação até os professores seniores e por isso que fez tanto sucesso porque tinha uma metodologia por trás disso. Então, na realidade, começa lá [na iniciação científica], mas por que não começa em uma coisa básica? Porque quem orienta a definição da iniciação científica é o pesquisador sênior. Ou seja, ele sabe o que é estratégico, mas aí ele vai dividindo. Porque eu sempre dizia que quem estuda comigo não é quem quer estudar comigo, é quem eu escolho? Porque tem que me trazer um projeto que está dentro do que eu considero que seja estratégico para o campo.

Então, o senhor está defendendo que o ensino teria essa função estratégica de organizar as contribuições…

Sempre! A essência é a prática, e onde é que a prática é desenvolvida? No ensino. Só que a questão é que hoje o ensino é reprodutivo e ele tem que ser inovador. Ele só pode ser inovador se tiver pesquisa. 

Hoje o pesquisador de jornalismo paga suas contas em sala de aula. Ou seja, esses dois profissionais, como o senhor citou na palestra, o pesquisador e o professor, precisam estar juntos. Não sei se o senhor vai concordar, mas na prática temos bons professores que nem sempre são bons pesquisadores e vice-versa. O senhor mesmo citou em sua palestra que um professor que tem 70 horas de trabalho semanais em sala, em reuniões de departamento etc., obviamente não vai ter pesquisa de ponta para entregar. Ao mesmo tempo, assim como os jornalistas não têm a confiança do público, os pesquisadores em jornalismo não parecem ter a confiança das empresas…. 

Sim. Porque não faz pesquisa de tecnologia e técnico-ciência…

Nesse cenário, como a gente pode criar campo de trabalho propriamente para pesquisa em jornalismo? 

É preciso criar sistemas de inovação em jornalismo. O sistema é um complexo onde eu não só tenho as universidades, onde eu não só tenho os grupos de pesquisa, mas eu tenho as empresas, agências de financiamento e onde eu tenho as empresas que não necessariamente são aquelas de produção de conteúdos, mas são empresas de pesquisadores. Podem existir startups de pesquisadores que entregam e desenvolvem soluções para o mercado, mas elas podem atuar num sistema de inovação em jornalismo. O problema é que precisa criar isso. A inovação não é só do ponto de vista das práticas. Ela é principalmente também do ponto de vista das organizações. A empresa de pesquisadores, por exemplo, pode ser uma inovação, como o GJOL foi uma inovação. Como as redes de pesquisa na SBPJor, que fui eu que propus, são uma inovação. Ou seja, uma rede de pesquisa é uma inovação social. Sem a rede de pesquisa, não tem a possibilidade de fazer pesquisas temáticas, por exemplo. Então, é por isso que eu digo que é essencial a inovação tecnológica, mas também a inovação social. Porque a inovação social é a que está vinculada às metodologias, aos processos e às organizações. 

Agora, o pesquisador não é escravo da universidade. A universidade é apenas um dos lugares onde se produz conhecimento, tecnologia e inovação. Em um sistema de inovação, em geral, a universidade é a instituição mais potente, afinal ela reúne todas as áreas do conhecimento. E, cada vez mais, a pesquisa é multi-transdisciplinar. Para trabalhar com inteligência artificial, por exemplo, que é essencial hoje em dia, não tem como fazer jornalismo sem inteligência artificial. Mas eu já digo isso há 30 anos. Só que isso, para fazer, tem que trabalhar com os colegas da engenharia de redes, com a engenharia de software… Isso não pode ser feito só por pesquisadores do jornalismo. Só que, para fazer inteligência artificial que sirva aos interesses e as demandas do jornalismo, tem que ter os pesquisadores em jornalismo. Mas o problema da inteligência artificial hoje, em geral, é que ela é genérica e não atende às nossas demandas.

Algum lugar que o senhor consiga identificar que esse sistema exista ou esteja mais bem desenvolvido, que a gente possa olhar, se inspirar? 

Sim, tem lugares. Mas o problema é que isso é incipiente no mundo inteiro. Mas tem um bom livro que eu citei ali, que vale a pena ler, onde tem exemplos inovadores, que é o livro do Nicholas Diakopoulos, que é sobre o jornalismo de algoritmos, foi publicado em 2019. [Livro Automating the News]

O senhor deu um super destaque em sua palestra sobre a necessidade de olharmos para os clássicos. Em um evento como esse, na pesquisa em geral, a gente vê que há uma tendência que nos empurra para as novidades, os últimos lançamentos, os últimos relatórios… 

Mas uma coisa não é contraditória com a outra. Os clássicos precisam ser relidos à luz das novas demandas. 

Exato. Essa é minha inquietação. Qual a sua dica ou como o senhor acha que é possível o pesquisador, quem está no mestrado, no doutorado, dar conta dessa conexão entre os clássicos e a pesquisa atual?

Quem faz a conexão, em geral, é o professor sênior. É ele que conhece o passado e o presente e projeta o futuro. O brilhante iniciação científica, o brilhante mestrando e o brilhante doutorando ensinam muito ao professor sênior, mas em geral eles trabalham a partir das demandas do sênior. Para isso o sênior existe.

 

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