Por Paulo Markun

Aluno do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura Contemporâneas, na linha de pesquisa Comunicação e Cultura Digital e integrante do GJOL.

O Centro de Pesquisa e Formação do Sesc São Paulo acaba de lançar o primeiro volume da coleção Duetos – escrituras compartilhadas. Está disponível gratuitamente nas unidades da instituição A iniciativa, compartilhada com a PUC São Paulo e coordenada pelo professor Fernando Almeida, busca difundir artigos produzidos por funcionários e funcionárias do SESC envolvidos no mestrado realizado na PUCSP. O primeiro volume traz a dissertação de Adriana Reis Paulics, editora da revista E, do SESC e o trabalho de Patricia Dini, assessora do CPF e que respondeu pelo projeto Prata da Casa, dedicado a novos talentos musicais, no SESC Pompéia. O texto de Dini dialoga com o da jornalista e radialista Patrícia Palumbo, que foi curadora do mesmo projeto. O de Paulics interage com o de Paulo Markun, que procurou entender quais as relações entre jornalismo e educação desde o surgimento do Correio Braziliense, em 1808, até os dias de hoje.

Aqui, um resumo do meu texto, cuja  íntegra pode ser encontrada neste link https://docs.google.com/document/d/1kQf3OFk0QtYHGuCqd4JS933Is8v8aVo6/edit?usp=sharing&ouid=114502594188598501913&rtpof=true&sd=true

O Brasil demorou a ter educação e jornalismo, diferentemente de outros países latino-americanos. Enquanto no México, Lima, Chile, Colômbia, Argentina e Cuba já existiam universidades e jornais desde o século XVI ou XVIII, no Brasil, os primeiros jornais surgiram somente em 1808 e a primeira universidade em 1920.

Ao longo desse período, o jornalismo no Brasil teve uma relação cada vez menos atenciosa com a educação. Isso era reflexo do interesse dos jornais como negócio, que priorizavam assuntos mais rentáveis.

Antes de 1808, houve tentativas de instalar uma gráfica no Brasil, mas elas foram reprimidas pelas autoridades. A primeira foi em 1706, quando uma Carta Régia ordenou o sequestro de letras impressas e proibiu a impressão de livros e papéis avulsos. Outro ensaio ocorreu em 1727, mas a prensa tipográfica enviada de Portugal foi confiscada antes de ser utilizada.

A crise do jornalismo no Brasil, que começou no século XXI, tem afetado ainda mais a relação entre jornalismo e educação. Com o advento da internet, o modelo tradicional de jornalismo tem sofrido com a concorrência de conteúdos gratuitos e a queda nas vendas de jornais e revistas. Isso resulta em menos recursos para investir em reportagens e investigações mais aprofundadas, assim como para a cobertura da educação.

Atualmente, é necessário repensar a forma como o jornalismo lida com a educação no Brasil. É preciso buscar maneiras de valorizar e incentivar a cobertura de assuntos educacionais, pois a educação tem um papel fundamental no desenvolvimento do país. É importante que a imprensa atue de forma responsável e ética, promovendo a disseminação de informações corretas e de qualidade sobre a educação, contribuindo assim para a formação de uma sociedade mais informada e crítica.relações entre imprensa e educação no Brasil são marcadas por perseguições e restrições ao longo da história.

O primeiro jornal brasileiro, o Correio Braziliense, começou a ser impresso em Londres pouco antes da chegada da família rel ao Brasil, em 1808. Seu proprietário e redator, Hipólito José da Costa, via a instrução como fundamental para a formação de um bom governo e incentivava os leitores a tirarem suas próprias conclusões a partir das notícias e comentários do jornal. Além disso, o Correio apresentava avanços científicos e literários de outros países, destacando a importância da instrução pública. O jornal também abordava temas como matemática, astronomia e química, trazendo descobertas e novidades de diversos lugares. Hipólito da Costa acreditava que a falta de liberdade em Portugal era um obstáculo ao progresso científico. Em resumo, o jornal tinha como objetivo disseminar conhecimento e estimular a educação no Brasil.

Quando a família real portuguesa chegou ao Brasil fugindo de Napoleão Bonaparte e trazendo no porão do barco Medusa a primeira tipografia permitida na até então colônia,, havia apenas quatro livreiros no Rio de Janeiro. O primeiro catálogo de obras impressas da época, publicado em 1810, listava apenas 36 títulos.

A Gazeta do Rio de Janeiro teve início também em 1808. Apesar de ter uma proposta mais burocrática e estar mais relacionada aos interesses da Coroa Portuguesa, a Gazeta também abordava assuntos educacionais em suas páginas. No entanto, o jornal era criticado por falta de qualidade e por se preocupar mais em divulgar informações oficiais do que em promover debates e discussões de interesse público.

Outro periódico importante foi O Patriota, que se destacou por ser o primeiro jornal brasileiro a contar com ilustrações. Com colaborações de intelectuais do Brasil, Portugal e outras colônias, o periódico abrangia diversos temas, como botânica, zoologia, mineralogia, filosofia, história, medicina, matemática, química e agricultura. Seu editor, Manuel Guimarães, comentava e resumia obras publicadas pela Impressão Régia.

A partir de 1821, as restrições à imprensa diminuíram, impulsionadas pela revolução liberal. Esse período representou um avanço significativo na disseminação do conhecimento científico e cultural no Brasil, permitindo que a imprensa desempenhasse um papel mais relevante na educação informal da população. A Impressão Régia, responsável por publicações desde os primeiros anos de seu funcionamento, viu o número de publicações aumentar significativamente em 1821 (236) e 1822 (280). Na Bahia, surgiram o Semanário Cívico e O Diário Constitucional, com posicionamentos pró-monarquia portuguesa e pró-interesses brasileiros, respectivamente. No Rio de Janeiro, destaca-se O Conciliador do Reino Unido, editado por José da Silva Lisboa, que apoiava o imperador. Outros periódicos também circularam na época, como O Revérbero Constitucional Fluminense e A Malagueta. A ideia iluminista de educar os cidadãos permeou essas publicações políticas.

O Diário do Rio de Janeiro teve um papel importante na organização do mercado editorial. surgiu em 1821, sob a direção de Zefferino Vito de Meirelles. Inicialmente, o jornal não tinha inclinações políticas e se destacava por seus anúncios gratuitos e notícias colaborativas, fornecidas por leitores e assinantes. Essa abordagem atraiu rapidamente o público.Em apenas um mês, o jornal dobrou o número de páginas em um mês e em pouco tempo ultrapassou mil exemplares, deixando de ser impresso na Impressão Régia para ter sua própria tipografia. A área de abrangência do jornal também se expandiu para além do centro do Rio de Janeiro.

Essa intensa atividade da imprensa na época contribuiu para o debate político no Brasil e refletiu uma preocupação com a educação dos cidadãos. No entanto, o Diário do Rio de Janeiro acabou relegando essas intenções educativas a um segundo plano, ao se tornar mais focado em questões comerciais.

Em 1822, Zefferino Meirelles foi morto por um desconhecido, possivelmente devido a um aviso publicado no jornal, denunciando maus tratos a uma moça. Após a morte de Zefferino, o Diário abandonou sua postura neutra e, nos próximos cinco anos, se tornou extremamente popular. Conhecido como Diário do Vintém ou da Manteiga, por seu preço acessível e por trazer informações sobre produtos consumidos em grande escala, o jornal passou a ser considerado o “amigo de todo o povo desta cidade” e o “corretor de todos os negócios, grandes e pequenos”.

Em São Paulo, em 1875, foi lançado o jornal A Província de São Paulo, que sobrevive até hoje como Estadão. O jornal vivia de anúncios e assinaturas, e sua venda avulsa foi recebida com críticas pela população, que reclamou da mercantilização da imprensa.

Apesar das limitações, os primeiros jornais do Brasil contribuíram para a disseminação de conhecimento e para o incentivo à educação. Eles foram ferramentas importantes na formação da opinião pública e na promoção de debates sobre temas relevantes para a sociedade. Além disso, esses jornais

É importante ressaltar que o acesso à educação na época era restrito a uma parcela privilegiada da população. A maioria dos brasileiros não tinha acesso à escola e vivia em condições de analfabetismo. Portanto, mesmo com a atuação dos jornais em favor da educação, o acesso ao conhecimento ainda era limitado. Somente ao longo do século XIX é que ocorreram avanços significativos na educação pública no país. O imperador Pedro II desempenhou um papel importante nesse processo, ao conceder autorizações para a instalação de prensas e incentivar a produção de livros. O ensino público também foi ampliado, com a criação de escolas e a contratação de professores estrangeiros.

No final do século XIX, surgiram os primeiros jornais escolares, destinados a divulgar informações sobre as instituições de ensino e promover a educação entre os alunos. Além disso, a imprensa passou a desempenhar um papel importante na disseminação do conhecimento, por meio da publicação de artigos, debates e textos educativos.

No início do século XX, com a República, houve um aumento significativo na quantidade de jornais pelo país. A imprensa operária e de comunidades imigrantes também ganharam espaço nesse período. Um exemplo é o jornal “A Voz do Trabalhador”, que tinha um projeto educativo anarquista e buscava a formação do proletariado nacional. Além disso, incentivava a leitura compartilhada e a criação de bibliotecas para os trabalhadores.

No entanto, o aumento das empresas jornalísticas no final do império levou as pretensões culturais para os folhetins e para as revistas ilustradas. A imprensa começou a se configurar como um espaço de propaganda de ideias e a influência comercial passou a ser mais importante do que a orientação da opinião pública. O jornalista Max Leclerc, em suas “Cartas do Brasil”, descreve a imprensa da época como sendo influente, mas focada principalmente em interesses comerciais.

Ao longo das mudanças políticas no país, como o fim do Império, a República Velha e a Ditadura Militar, a imprensa se profissionalizou e alcançou um grande número de leitores. No entanto, em nenhum momento dessa evolução foi observado um compromisso generalizado com a educação por parte do jornalismo. Durante o período de 1950 a 1964, destacam-se os Diários Associados de Assis Chateaubriand e a Última Hora de Samuel Wainer, mas nenhum deles tinha como prioridade o papel educacional da imprensa.

Após o golpe militar de 1964, a Última Hora foi fechada e os Diários Associados entraram em decadência. Novos jornais, como a Folha de S. Paulo e o Grupo RBS, surgiram, e muitas organizações tradicionais passaram por processos de profissionalização, inclusive na digitalização dos processos e na mudança na distribuição. No entanto, não foi observada uma preocupação constante com a educação nesse período.

Algumas exceções a essa falta de compromisso com a educação podem ser encontradas. O Jornal do Brasil teve o Suplemento Dominical de 1956 a 1961, que foi substituído pelo Caderno Ideias e que também não resistiu ao tempo. No Estadão, o Suplemento Literário começou em 1956 e foi comandado por Antônio Cândido e Décio de Almeida Prado.

A dependência financeira, a busca por grandes tiragens e a falta de um compromisso claro com a educação são alguns dos obstáculos enfrentados pela imprensa nesse sentido. No entanto, algumas exceções podem ser identificadas ao longo do tempo.Jornalismo cultural com uma visão ampla e postura crítica foram características presentes nas revistas Senhor e Realidade no Brasil. Senhor, que circulou entre 1959 e 1964, trazia contos inéditos de autores brasileiros e estrangeiros renomados, além de artigos sobre temas culturais e políticos. A revista buscava informar o leitor sobre assuntos do mundo e do país, além de incentivar comportamentos condizentes com a época. A revista Realidade, da editora Abril, foi publicada entre 1966 e 1976 e adotou o estilo do New Journalism, que mesclava objetividade e narrativa literária. A edição especial de outubro de 1971 foi considerada a “maior de todas as reportagens” da história da imprensa brasileira, com destaque para suas 328 páginas e equipe de 40 pessoas. Ambas as revistas representaram um momento de otimismo e modernização vivido no país.A relação entre imprensa e educação no Brasil tem passado por mudanças significativas ao longo dos anos. Antigamente, revistas como Realidade desfrutavam de grande prestígio e influência, com exemplares que se esgotavam rapidamente. No entanto, com o passar do tempo e a chegada do AI-5 em 1968, a revista perdeu seu prestígio e acabou desaparecendo em 1972.

Atualmente, a imprensa enfrenta desafios com a queda da circulação impressa e das receitas publicitárias. O investimento publicitário tem sido direcionado principalmente para a televisão aberta e a internet, deixando jornais e revistas com uma fatia bastante reduzida. Em 2021, por exemplo, o investimento em jornais representou apenas 1,7% do total.

Como a pandemia e o negcionismo demonstraram recentemente, hoje a imprensa desempenha um papel fundamental na divulgação de informações sobre a educação, no debate de políticas públicas e na conscientização da sociedade sobre a importância da educação de qualidade. No entanto, é importante garantir a liberdade de expressão e o acesso igualitário à informação, evitando censuras e restrições indevidas.

É importante destacar que a ética do jornalista não é diferente da ética do cidadão comum. O jornalista deve seguir princípios como não trair a palavra dada, não abusar da confiança do outro e não mentir. O limite entre o profissional como cidadão e como jornalista é o mesmo que em qualquer outra profissão. Além disso, é esperado que o jornalista tenha opinião política e seja cético, sem se esconder atrás de uma suposta objetividade.

Diante desse contexto, é fundamental que a imprensa e a educação trabalhem juntas para fornecer informações de qualidade e promover uma formação crítica entre os cidadãos. A imprensa precisa garantir a diversidade de vozes e abordagens, ao passo que a educação precisa desenvolver habilidades de leitura crítica e consumo consciente de mídia.

Em resumo, o compromisso do jornalismo com a educação no Brasil depende do acordo que o jornalista faz consigo mesmo em relação à ideologia do dono do jornal. Além disso, é fundamental conciliar a busca pela objetividade com a interpretação dos fatos. Mesmo com as dificuldades enfrentadas pela imprensa atualmente, ainda é possível encontrar publicações que valorizam a educação.