Entre a tarde de quarta-feira e a noite de quinta, milhões de usuários corporativos e residenciais no estado de São Paulo, ficaram sem Internet por uma falha no sistema administrado pela Telefonica. Segundo as explicações oficiais, a causa foi “um software que entrou em pane fazendo um roteador gerar rotas falsas de transmissão de dados por toda a rede”. Segurança pública, trânsito, bombeiros, sistema de saúde, a rede administrativa do governo estadual, subitamente tudo estava desconectado e permaneceu assim por mais de 24 horas, na capital, no litoral paulista e várias cidades do interior do estado.
O episódio e as sucessivas ondas de pasmo, incredulidade e indignação mostram o quanto estamos todos dependentes do novo sistema de comunicação e quão vulneráveis somos a uma desconexão a qualquer momento e por qualquer motivo, técnico ou político (não é demais relembrar o episódio Cicarelli x YouTube, de recente memória). Nunca é demais lembrar também que o sistema de telecomunicações brasileiro – telefonia fixa, celular, Internet etc – é privatizado e fortemente controlado por empresas multi-nacionais.
Nossa tendência, no uso de qualquer tecnologia caracterizada por disseminação generalizada (eletricidade, água encanada) é “naturalizá-la”, ou seja, rapidamente passamos a não pensar mais nela como uma tecnologia, mas como algo que está dado, que faz parte da paisagem, como se sempre tivesse existido e integrasse o ambiente natural desde sempre.
Um apagão como o vivido pelos internautas paulistas serve como “contra-ambiente”, para usar uma expressão de McLuhan, permitindo que – por alguns momentos – possamos emergir do aquário em que usualmente vivemos, no que diz respeito às tecnologias.
Para McLuhan, é somente quando um ambiente muda que passamos a ter consciência, por contraposição, daquele que o precedeu, que passa a ter uma visibilidade de que antes não era dotado, pois enquanto ambiente humano simplesmente, enquanto fenômeno simbólico articulado por um sistema de valores, sua presença, sua atuação e seu funcionamento escapam à consciência individual.
Essas considerações aplicam-se a todos os âmbitos da vida humana, incluída aí a consciência das formas de organização e interação social e das tecnologias que nos circundam. E, de fato, aquilo de que os peixes têm menos consciência é a água.
Mais sobre McLuhan, peixes, tecnologias e contra-ambiência em um artigo meu, de 15 anos atrás.
A ilustração é de Carvall, da Ong Pi.

marcos palacios