Via Read Write Web, cheguei a uma postagem no Museum 2.0 sobre o tempo de que se necessita dispor para utilizar a Internet.
A postagem fez eco a um ponto que venho sistematicamente repisando nas mesas de discussão e eventos acadêmicos de que tenho participado ultimamente: não se pode confundir o tempo que gente como nós – de uma maneira ou de outra “profissionais” da Web – emprega online, com a disponibilidade de tempo para navegação de pessoas “normais” – como engenheiros, enfermeiras, caixeiros viajantes, balconistas, arquitetos, agentes imobiliários e funerários, oficiais de justiça, cabelereiras, metalúrgicos, guardas municipais, etc, etc, etc. E mais importante: não se pode confundir tempo de navegação com tempo de produção de conteúdos na rede.
Se navegar e consumir informação custa tempo, produzir conteúdos custa muitíssimo mais tempo, além de demandar níveis mais elevados de alfabetização digital, o que implica em ainda mais tempo já anteriormente acumulado como capital cultural.
A postagem de Nina Simon no Museum 2.0 estabelece o patamar de cinco a 10 horas por semana como requisito de tempo para manter um blog em funcionamento. Em funcionamento mínimo – diria eu – pois blogar pode ser muito mais consumidor de tempo, a depender da seriedade do empreendimento.
Algumas vezes as coisas se confundem e os “especialistas” tendem a pensar que sua forma de uso da Internet é indicativa – pelo menos – da tendência de “uso geral”.
Longe disso.
A Atenção é de fato o bem mais escasso em nossa sociedade da informação e por mais que se simplifiquem os dispositivos de produção de conteúdos e por mais que se tornem atrativos os incontáveis nichos de informação e entretenimento da Nova Biblioteca de Alexandria, cirurgiões-dentistas, músicos, fisioterapeutas, sacerdotes, motoristas de táxi e toda a gama de pessoas não envolvidas com profissões diretamente relacionadas à “produção e tratamento da informação”, terão apenas uma parcela muito marginal de seu tempo diário disponível para dispender como consumidores, produtores e gestores de conteúdos. Não perceber isso seria confundir o conceito de “leitor” com o de “rato de biblioteca”, se pensarmos em termos pré-digitais. Parece uma comparação descabida? Na Internet as coisas são diferentes porque o “polo de emissão está liberado”? Então confira aqui como os veterinários norte-americanos usam a web. Ou saiba como os engenheiros e técnicos industriais canadenses surfam.
É verdade que já em 2007 os consumidores norte-americanos dispenderam mais tempo surfando na Internet do que lendo jornais, indo ao cinema ou ouvindo música. É verdade que a crescente utilização da Internet está carreando cada vez mais anunciantes para a Net, mas isso não deve tirar-nos o senso de proporção. É verdade que o custo relativamente pequeno de se surfar por mais tempo, uma vez tendo-se o acesso, está levando a que pessoas com menores níveis educacionais gastem mais tempo online. O fato, porém, é que se trata fundamentalmente de consumo de informação e não de produção de conteúdos.
Uma análise de quatro anos através da Internet Activity Index (IAI) e publicizado pela Online Publishers Association (OPA) resultou numa clara conclusão de que visitas a conteúdos vêm ganhando espaço nas quotas de tempo alocadas à web, às expensas do tempo gasto em comunicação:
Às limitações de Tempo e Atenção disponíveis/possíveis, há que adicionar-se um terceiro elemento: Motivação. E então a coisa se complica ainda mais…
marcos palacios
20/04/2008 at 13:40
palacios, seu comentário ilumina o domingo chuvoso aqui de santa catarina. muito oportunas as suas colocações, deslocando para bem longe qualquer posicionamento fácil e tentador de tecnofilia ou tecnofobia. É preciso pensar a rede, o que fazemos dela, e como contribuímos para a sua expansão. O que apontas e que sempre vejo onde quer que vá é o foco na rede como uma imensa fonte de consulta. Nada de errado nisso. Mas essa visão é reveladora do entendimento de que o consumo – de forma geral – se sobrepõe ao abastecimento, à agregação de novos conteúdos, à contribuição de algumas parcelas para o projeto coletivo. A motivação é central nessa conversão, mas ela – a meu ver – só encontrará ecos verdadeiros se trabalharmos a difusão de uma cultura de vivência na web. Isto é, se ressaltarmos, incentivarmos, enfatizarmos a necessidade de substituirmos um padrão de consumo passivo para uma via dupla consumo-oferta de conteúdos, postura mais ativa nesse processo.
20/04/2008 at 20:09
Rogério,
obrigado pelo comentário. O problema é que nem sempre é realista pedir-se essa “via dupla consumo-oferta de conteúdos, postura mais ativa nesse processo”, justamente pela limitação de tempo de grande parte dos usuários e pela existência de graus diferenciados de alfabetização digital, dificilmente superáveis, justamente pela limitação de tempo. Ou seja, temos aí um circulo vicioso, que tende a perpetuar a condição de “consumidor” para a grande maioria. Nada errado com o consumo, como você bem enfatiza, mas isso, é claro, aumenta ainda mais a responsabilidade daqueles que podem (e portanto devem) produzir conteúdos, organizar e gerenciar formas de aproveitamento de conteúdos produzidos e muitas vezes não disponibilizados. Dou um exemplo: se procurarmos material sobre a Independência do Brasil, certamente encontraremos uma quantidade de material bastante limitada (diferentemente de uma busca para o mesmo evento nos Estados Unidos!). E no entanto, pense na quantidade de material de boa qualidade produzido sob a forma de ensaios sobre essa temática em cursos de História em todo o país. Se houvesse uma forma de minimamente selecionar e disponibilizar em portais ou depósitos centralizados material desse tipo, teríamos aí um interessante mecanismo de enriquecimento do patrimônio digitalizado em língua nacional. As próprias teses e dissertações de Mestrado e Doutorado, produzidas em cursos de pós-graduação, ainda não estão unificadas em um banco de depósito obrigatório. Parece-me evidente que toda a produção apoiada de alguma forma (bolsas, subsídios, auxílios) por fundos publicos deveria, obrigatopriamente, estar sob compromisso de imediata disponibilização e livre acesso.
Um abraço,
marcos