Mãos aos céus, de onde emana uma luz divina que anuncia a cura da Hepatite C.
É a capa do semanário brasileiro Isto É desta semana.
A novidade que motiva a matéria de capa não é – infelizmente – alguma nova droga revolucionária, mas pelo menos tem o mérito de chamar atenção para uma doença extremamente insidiosa e pouco conhecida.
Diferentemente da AIDS, a Hepatite C não é objeto de campanhas publicitárias de esclarecimento e não aparece regularmente na agenda midiática. Diferentemente da AIDS, a Hepatice C não está sendo combatida em escala global.
No Brasil existem 433 mil casos registrados de AIDS e mais 3 milhões de portadores de Hepatite C.
As duas doenças matam.
O tratamento corrente – interferon peguilado combinado com ribavirina – não é nenhuma novidade, vem sendo usado há mais de dez anos e é eficaz em 50 a 90% dos casos, a depender o tipo de vírus, sexo do paciente, estado de saúde, e outros fatores. Mas de qualquer forma o fato gerador da espalhafatosa capa é alentador: os estudos recentes começam a comprovar que a eliminação do vírus, pelo tratamento atualmente em uso, pode significar a cura total, pelo menos para essa percentagem de pacientes. Ou seja, uma vez combatido e eliminado, o vírus dificilmente reaparece.
Um dos entrevistados pela Isto É, o Dr. Raymundo Paraná, da Universidade Federal da Bahia e autoridade mundial no assunto, confirma que tem vários pacientes tratados há mais de 10 anos e sem reincidência do vírus.
Acabo de terminar um tratamento para Hepatite C.
E isso evidentemente mudou minha percepção sobre uma doença da qual eu, minha família e a maioria de meus amigos, até pouco mais de um ano atrás, só “ouvíramos falar”.
Segundo a OMS, há pelo menos 170 milhões de portadores do vírus no mundo, mais de três milhões deles no Brasil. E o pior da história: a maioria dos infectados não sabe que tem a doença e que seu fígado está sendo pouco a pouco destruído pelo vírus.
O que a reportagem da Isto É – infelizmente – não incentiva é uma conscientização geral para a necessidade de se fazer um teste para Hepatite C. As drogas utilizadas no tratamento são caras, mas podem ser obtidas gratuitamente através do SUS.
“Ah, mas eu nunca tomei transfussão de sangue”, dirão alguns, “portanto não corro riscos”. Tampouco eu tomei qualquer transfussão de sangue, em toda a minha vida. A Hepatite é contraída através de sangue contaminado, mas isso não significa apenas transfusões. Formas muito mais mais cotidianas como o uso de um simples alicate de unhas em um salão de beleza de beleza, uma navalha em um salão de barbeiro, instrumentos mal esterilizados em consultórios de dentistas, dentre outras, podem levar a uma infecção. E ainda mais: o vírus pode ter sido contraído há décadas, quando ainda se usavam seringas de injeção não descartáveis, por exemplo, permanecer latente e subitamente começar seu ataque. A possibilidade de transmissão sexual é baixa, mas existe, especialmente se ocorrer algum sangramento durante a relação.
A doença é silenciosa, não-sintomática e, quando finalmente se faz sentir, a situação de ataque ao fígado já por estar muito avançada (cirrose), deixando o paciente com poucas chances de recuperação e na fila dos transplantes de fígado, com todas as suas dificuldades e riscos.
Urge que a Hepatite receba das autoridades sanitárias brasileiras o mesmo tratamento que vem tendo a AIDS, em termos de publicização e campanhas de erradicação.
O tratamento é longo (48 semanas), pesado e afeta duramente o paciente, sua família e círculos sociais mais próximos. Mas é a única alternativa aceitável, por agora.
A outra é deixar-se morrer…

marcos palacios