As fotos dos bombardeios em Beirut, digitalmente manipuladas por Adnan Hajj, não são fato isolado. Em um artigo intitulado A question of truth: photojournalism and visual ethics , publicado no site da National Press Photographers Association, Donald Winslow discute outros casos recentes de manipulação digital, incluindo uma escandalosa montagem produzida pelo Nuevo Herald, de Miami. O tablóide anti-Castro recentemente estampou uma foto em que policiais cubanos aparentemente faziam vistas grossas à atividade de prostituição de jovens, na porta de um bar em Havana. Não só se tratava de uma montagem, como os créditos das fotos originais foram omitidos.

O artigo de Winslow menciona também o caso de Patrick Scneider, um fotógrafo do Charlotte Observer, que foi despedido por alterar a cor do céu na fotografia de um incêndio. Os editores do Observer declararam que sua política editorial claramente estabelece que “No colors will be altered from the original scene photographed.” Scneider declarou que sua manipulação apenas “restituiu a cor da cena original”, que uma super-exposição contra a luz havia alterado.

Evidentemente a prática de manipulação fotográfica vem de longa data, tendo ficado famoso o caso das fadas supostamente fotografadas por duas adolescentes inglesas, que em 1917 enganaram Sir Arthur Conan Doyle, o famoso autor das aventuras de Shelock Holmes. Até mesmo peritos da época declararam que os negativos não haviam sido alterados. Hoje qualquer leigo percebe tratar-se de uma grosseira falsificação. Ou será que deixamos de acreditar em fadas?

A manipulação das fotos analógicas atingiu níveis de quase perfeição nos tempos de Stalin, quando os “expurgados” simplesmente desapareciam das fotos oficiais. A introdução das tecnologias digitais apenas potencializa as possibilidades de intervenção e refina os resultados obtidos.

Descontados os casos de falsificação e má fé evidente, como a montagem produzida pelo Nuevo Herald, ou a introdução de elementos estranhos à foto como caso dos mísseis de Adnan Hajj, uma série de perguntas se colocam quanto à questão da “verdade visual”. O que significa a expressão “as cores da cena originalmente fotografada”, no contexto das diretrizes editoriais do Chartlotte Observer? Kodacolor ou Agfacolor? Quando uma foto em P&B, analogicamente obtida, é “puxada” na revelação ou super-exposta na ampliação para se obter mais contraste ou ressaltar algum detalhe da cena, estaríamos diante de um caso de alteração da “cena original”? A situação estaria eticamente resolvida se o jornal informasse que a foto havia sido “trabalhada” para ressaltar o detalhe? Duas câmeras digitais, de diferente qualidade ótica e distintos níveis de resolução, fotografando a mesma “cena original”, produzem as “mesmas cores”? A foto produzida com a câmera mais avançada tecnologicamente deve ser considerada “mais fiél”? Se uma foto é obtida nas imediações de um lago e o azul do céu refletido na água “invade” as outras gamas de cor, alterando o que o fotógrafo avalia ser a “cor original”, é lícito fazer uma “redução de azul” usando o Photoshop?

A National Press Photographers Association tem um Código de Ética para fotojornalistas. Naturalmente “editar” uma imagem não é necessariamente uma quebra do código de ética. Há apenas uma diretriz estabelecendo que “Editing should maintain the integrity of the photographic images’ content and context.” Só um pequeno problema: o que é “integridade” de conteúdo e contexto? Se houver uma super-exposição, o fotógrafo pode – eticamente – “editar” para restituir a “integridade” que julgou originalmente ter captado?
O artigo de Winslow é um convite à discussão.
Via Jornalismo & Comunicação

marcos palacios