Gedankenexperiment é uma expressão alemã que se refere a um raciocínio lógico sobre um experimento que ainda não pode ser realizado na prática. Filosofia e física exploram este experimento mental fundamentado na imaginação ou nas matemáticas para compreender a alegoria da caverna de Platão ou a Teoria da Relatividade, por exemplo. Em 1995, os pesquisadores Frank Biocca e Mark Levy decidiram explorar o modelo para pensar como a realidade virtual afetaria o jornalismo. Para quem está envolvido com o jornalismo imersivo, seja na pesquisa ou na prática, o exercício de futurologia dos autores no texto impressiona pela precisão.
Antes de listar alguns trechos do artigo, convém destacar que os experimentos em realidade virtual não são tão recentes. O Sensorama de Morton Heilig, ainda na década de 1960, foi uma das primeiras máquinas imersivas, que visava convocar diversos sentidos do usuário durante a interação com o cinema. Anteriormente, a Força Aérea Americana já usava simuladores de voos para teste.
Jaron Lanier, cientista, compositor e autor, também é um personagem importante para a realidade virtual por ter desenvolvido na década de 1980 os primeiros simuladores para a indústria. Nesta entrevista de 1989 (há 29 anos!), ele fala de um dos seus experimentos junto com a NASA e reflete sobre impactos sociais e políticos da tecnologia que marcaria o século XXI em vários âmbitos – diversão, educação, expressão, trabalho, terapia e todas as outras coisas, segundo ele.
O texto de Biocca e Levy, de 1995, foi produzido em um contexto em que a internet dava os primeiros passos para o início da sua comercialização e a maioria dos celulares só faziam chamadas e enviavam e recebiam SMS. Os meios de comunicação massivos como a TV, o rádio e o jornal ainda ocupavam o protagonismo na esfera pública.
Contudo, para alguns especialistas, o ambiente virtual que estava em formação iria acabar com o jornalismo. Os autores discordavam desta posição e previram que, na verdade, esta tecnologia iria trazer mais interconectividade e mais informação. O grande volume seria um dos riscos porque poderia gerar confusão.
“Na era da realidade virtual o “sound byte” será substituído pelo “experience byte” e os usuários serão engolidos pelos byte-to-byte no gigantesco simulacro de Baudrillard” (p.145).
Seja individualmente ou coletivamente, as peças produzidas em realidade virtual precisam lidar com estes riscos durante todo o tempo. Implicitamente, os autores estão falando da questão da atenção, fundamental para a estruturação econômica das mídias. Para onde o usuário vai concentrar minha atenção em uma peça? ou Como fazer minha peça ter visibilidade na esfera pública permeada de tantos conteúdos? são apenas algumas questões que emergem.
Outra previsão dos autores é a de que sistemas multimídias interativos incorporariam dispositivos input e output orientados para a realidade virtual. Estes sistemas podem ser sintetizados hoje nos smartphones, que chegam a esta configuração atual a partir do lançamento iPhone da Apple, em 2010. Toda uma indústria móvel se desenvolve e abriga hardwares, aplicações e conteúdos interativos e multimídia. As próprias fabricantes acabam investindo nos dispositivos e softwares que permitem a experiência em ambientes imersivos, sobretudo a partir de 2015.
A realidade virtual sempre foi vista como uma potencialidade para as narrativas jornalísticas, no entanto, para Biocca e Levy, seria preciso retirá-la do laboratório e fazê-la ter características de mídia de massa. Eles se referiam às coberturas ao vivo de eventos mundiais, uso da internet para criar comunidades virtuais, simulações e sistemas multimídia interativo de notícias e hipertexto.
“Como uma mídia de massa, a realidade virtual poderia cumprir o mais antigo sonho do jornalismo, dominar o espaço e o tempo” (p.137).
De fato, foi somente a partir do desenvolvimento de softwares e hardwares que popularizaram a produção de conteúdos em realidade virtual, que tem havido um espalhamento deste tipo de formato, inclusive em outras áreas. No jornalismo, ainda não vemos com frequência as coberturas ao vivo de eventos mundiais (embora já aconteceram, como na abertura de eventos esportivos e shows como o Rock n’ Rio), mas a exploração de comunidades virtuais, como as mídias sociais, têm sido fundamentais para dar visibilidade a este formato.
Biocca e Levy ainda fazem mais previsões e reflexões ao longo do texto. A importância dos dados, a questão do transporte e da suspensão da descrença para que a narrativa imersiva aconteça e a referência aos estímulos motores psicológicos requisitados para este tipo de experiência também são discutidos.
“Sem dúvidas, a arte e a ciência do jornalismo mudarão, bem como os efeitos no discurso público. Mas, mesmo no ciberespaço, existirá a necessidade de bons jornalistas – alguém melhor habilitado em aprimorar e conduzir a rede” (p.146).
Referência
Biocca, F., & Levy, M. R. (1995). Communication applications of virtual reality. In F. Biocca & M. R. Levy (Eds.), LEA’s communication series. Communication in the age of virtual reality (pp. 127-157). Hillsdale, NJ, US: Lawrence Erlbaum Associates, Inc.
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