Em 2011, o artista holandês Erik Kessels, expôs no museu de fotografia FOAM, em Amsterdã, a instalação Photography in abundance. Neste trabalho, Kessels imprimiu cerca de um milhão e meio de fotografias em tamanho de cartão-postal (10 x 15 cm) e as distribuiu desordenadamente pelas salas do museu, criando um verdadeiro amontoado de imagens. As fotos, impossíveis de serem observadas uma a uma, acabavam tornando-se obstáculos físicos para as pessoas que circulavam pela exposição.
De acordo com o fotógrafo catalão Joan Fontcuberta em seu mais recente livro, La furia de las imagenes: notas sobre la postfotografia, a quantidade de imagens na instalação de Kessels não foi aleatória, mas sim a mesma que a de arquivos publicados no Flickr em um período de 24 horas. Fontcuberta estima que, se dedicássemos um segundo a cada uma dessas imagens, demoraríamos mais de duas semanas para conseguirmos ver todas. A instalação de
Kessels chama atenção para um acontecimento cotidiano da sociedade contemporânea: a saturação de imagens.
Nos últimos meses, algumas redes sociais digitais usadas em nosso cotidiano apresentaram atualizações que modificaram, pelo menos um pouco, seu uso. O Snapchat adicionou à sua interface a função Memories, que permite que o usuário guarde as imagens feitas no aplicativo dentro dele próprio, criando uma espécie de álbum de snaps – novidade que foi diretamente de encontro à função primeira do aplicativo: o compartilhamento de imagens que somem depois de enviadas.
O Instagram, aplicativo de compartilhamento de imagens do Facebook, aumentou a quantidade de imagens que podem ser publicadas no feed para até dez fotos ou vídeos em uma única publicação. Além disso, o aplicativo agora também conta com a função Stories, em que usuários publicam imagens que ficam disponíveis a seus contatos durante 24 horas e depois somem, formato antes presente apenas no Snapchat. A adesão à Stories do Instagram foi tão grande que, mais adiante, a função foi adicionada também aos outros aplicativos e redes sociais digitais da empresa de Mark Zuckerberg, como o Whatsapp, o Messenger e o próprio Facebook.
O que todas essas atualizações dos principais aplicativos de compartilhamento de imagens na atualidade têm em comum? O aumento na quantidade de imagens disponíveis ao usuário.
Todo dia, bilhões de novas imagens são publicadas na internet , nos mais diversos sites, sejam jornais, redes sociais, transferidas por e-mail ou Whatsapp… Vivemos rodeados de imagens em uma quantidade nunca vista antes na história e é humanamente impossível darmos conta de ver todas elas. De acordo com Fontcuberta, não vivemos uma abundância de imagens, mas sim, uma saturação delas, o que acaba deixando a imagem altamente descartável e efêmera. Uma vez vistas, essas imagens não teriam mais motivo para serem revisitadas já que há tantas outras por ver.
Por sua vez, o fotógrafo holandês Evgen Bavcar fala da saturação em um outro sentido. Para ele, a quantidade gigantesca de imagens não afetaria a imagem, como propõe Fontcuberta, mas sim nossa capacidade de enxergar. O fotógrafo, no vídeo Janela da alma, afirma que perdemos a visão. Somos bombardeados de imagens a todo tempo a ponto de não desaprendemos a vê-las. Somos dotados de “uma visão que pretende tudo ver, sem nada saber e sem representar para si mesma o que viu” (BAVCAR, 2003, p. 141).
https://www.youtube.com/watch?v=3z3cwcNKZIQ
Por uma ou outra visão, o resultado prático é o mesmo: nos deparamos diariamente com uma quantidade gigantesca de imagens, o que faz com que dediquemos cada vez menos tempo a ela e as descartemos com a mesma facilidade com que apertamos a tela do smartphone para produzi-las. Talvez por isso o formato efêmero de compartilhamento de imagens do Snapchat tenha feito tanto sucesso a ponto de ser reproduzido em vários outros aplicativos. Isso, porém, só pode ser possível afirmar com uma pesquisa mais aprofundada no futuro.
REFERÊNCIAS
BAVCAR, Evgen. Memória do Brasil. São Paulo: Cosac & Naify, 2003.
BAVCAR, Evgen. Janela da alma. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=3z3cwcNKZIQ. Acesso em: 12 de maio de 2017.
FONTCUBERTA, Joan. La furia de las imagenes: notas sobre la postfotografia. Barcelona: Galaxia Gutenberg, 2016.
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