Reproduzo abaixo artigo veiculado na Web pelo jornalista Celso Lungaretti.
marcos palacios
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SOBRE MENINAS E ABUTRES
Se o comissário Maigret, mestre em desvendar crimes a partir de um profundo conhecimento das motivações e fraquezas humanas, se pusesse a investigar o caso Isabella, sua conclusão provável seria de que a menina houvera sido vitimada pelo descontrole emocional da madrasta, com o pai tentando, canhestramente, acobertar a companheira.
E, com seu olhar compassivo para os seres humanos, mestre Georges Simenon decerto fecharia em clima melancólico essa novela de personagens destruídos num momento de fúria e reações insensatas. Não o primitivismo vingativo do “olho por olho, dente por dente”, mas o lamento civilizado pelo sofrimento inútil que os homens infringem a si mesmos.
Maigret cumpriria com pesar sua obrigação de entregar o imaturo casal à Justiça. Mas, decerto, seu sentimento seria bem outro em relação aos abutres que ultrapassam todos os limites da dignidade e do decoro para utilizar uma tragédia em benefício próprio.
O comportamento da imprensa neste episódio foi o de oferecer a dor extrema de algumas pessoas como espetáculo para a coletividade, sem jamais levar em consideração os efeitos que isso provocaria: desde os traumas causados em outras crianças cujos pais são separados até a possibilidade de que as turbas por ela incitadas linchassem os suspeitos ou se ferissem na tentativa. Revirou o lixo e emporcalhou-se com o sangue.
Além disso, ao persuadir maus agentes do Estado a vazarem laudos técnicos e depoimentos que estavam sob segredo de Justiça, trombeteando-os nos jornais nacionais, inviabilizou um julgamento justo, já que a opinião pública foi levada a condenar previamente os réus.
Nossa polícia sempre teve vezo autoritário, atuando mais como força repressiva e punitiva. Seus inquéritos tendem a ser peças de acusação e para a acusação, com o objetivo implícito de convencer promotores a denunciarem os suspeitos.
O espaço de atuação da defesa é a fase judicial, quando tenta desmontar a peça acusatória. Revelar prematuramente seus trunfos pode ser fatal para os advogados, que precisam contrabalançar nos tribunais a tendenciosidade com que muitas investigações policiais são realizadas.
Então, se a investigação policial é escancarada para o público, os pratos da Justiça se desequilibram, pois a defesa fica seriamente prejudicada e até (como neste episódio) praticamente inviabilizada.
A polícia substitui a promotoria, a opinião pública toma o lugar do tribunal e a malta está sempre pronta para cumprir a função do carrasco. Quando, além de tudo, esse rolo compressor leva a uma falsa conclusão, inocentes são esmagados, como no caso da Escola-Base.
Há algo de podre num país em que filmes justificam a tortura e a mídia contribui para submeter a Justiça à voz das ruas, por ela manipulada e arregimentada.
Não se sabe aonde este processo chegará, mas salta aos olhos que marcha na contramão da democracia brasileira, a tanto custo restabelecida.
· Celso Lungaretti, 57 anos, é jornalista e escritor.
Mais artigos em http://celsolungaretti-orebate.blogspot.com/
27/04/2008 at 18:10
Respeito muito o que diz o autor, mas preciso dizer algo:
1. Cada profissional tem de fazer sua parte, e o jornalismo que não busca o novo simplismente não pode ser qualificado como tal;
2. Percebi mais comedimente da imprensa, justamente para não se cometer o mesmo erro da Escola Base;
3. Neste dia da simulação, percebi que a Globo optou pelo esporte –se é que formula 1 pode ser taxada como tal; ao passo que a Record ofereceu espaço para o jornalismo.
3.1. Neste dia, os jornalistas respeitaram as regras dadas e isso mostra a seriedade destes.
4. Duro é ver advogados recorrendo às “instruções” a seus clientes, rebatendo com palavras vazias dados técnicos, indo ao absurdo de sugerir roteiro de investigação à polícia;
5. É difícil, na contemporaneidade, pensar que a mídia manipula todos. O que existe são pessoas dispostas à vingança e nesse sentido se assemelham aos criminosos.
6. O ideal seria que prevalecesse desde o início a preservação do local, o que não ocorreu, por certa insensibilidade da perícia, mas aí também se observa que o(s) criminoso(s) também colaboraram para limpar o local. Digo criminisos, pois o tempo para tal só seria compatível com alguém com poderes do The Flash,…mas aí seria ficção
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