Uma reportagem assinada por Reinaldo José Lopes, no G1, é um exemplo eloquente de como a “Atualidade”, elemento número um de qualquer ‘Critério de Noticiabilidade’, como sabe qualquer estudante de Comunicação, desde que entra em contato com o B-A-Bá da Teoria do Jornalismo, pode ser algo resvaladiço e manipulável, para se dizer o mínimo.
Uma chamada na Primeira Página (Home) do G1 leva o leitor para a “atualíssima” informação segundo a qual a Bíblia em seu primeiro Livro (Gênesis) conteria duas versões da criação do mundo. E pasmem: elas são contraditórias entre si!
O que de há de notável nisso? Simplesmente o fato de que – como aliás a matéria acaba por informar em um determinado momento – não há absolutamente nada de novo ou atual nessa informação, que é objeto de estudo de especialistas da Bíblia, há pelo menos 150 anos. Trata-se da conhecidíssima justaposição dos relatos Javistas (cerca de 950 ou 900 a.C.) e Ehoistas (cerca 850 a 750 a.C.) sobre a Criação, o Dilúvio e outras lendas mesopotâmicas, que (re)produzidos por autores (ou antes “coletores”) diferentes, em momentos diferentes e em diferentes regiões da Palestina, acabaram eventualmente “colados” em um mesmo Livro (Gênesis), operando a “contradição”.
E de novo? Há algo atual nessa história para justificar sua inclusão – com chamada – em um site jornalístico? Descobriram algo novo sobre o assunto? Alguém importante disse algo importante sobre a conhecida contradição? Não, nada de novo… São questões de interpretação bíblica que ocupam os especialistas e são objetos de centenas de artigos eruditos, desde o século XIX. Pelo menos…
Bem, só se o “novo” for a explicação infográfica da “contradição”…
Deleitem-se com ela.
marcos palacios
06/04/2008 at 22:36
Acho improvável que tudo o que consta na reportagem de Reinaldo José Lopes seja “conhecimento comum”. Gostaria de lembrar que há espaço na internet para textos que, embora não tragam nada de absolutamente “noticioso”, coloquem em pauta curiosidades e informações eventualmente pouco discutidas. Por esta análise, imagina-se, por exemplo, que o blogueiro crê que o que está sendo discutido em “centenas de artigos eruditos, desde o século XIX” é de conhecimento público. Não vejo, portanto, necessidade de invalidar o trabalho de um jornalista que fez as vezes de leitor de toda esta discussão “erudita” e tentou repassar o conhecimento aos leitores. Faltou, também, explicar a citação – grave – do termo “manipulável”.
E, antes que isso dê margem a alguma discussão, sou colega de trabalho do Reinaldo.
06/04/2008 at 23:49
Prezado Leopoldo,
Se tudo que não é “conhecimento comum” e apresenta traços “curiosos” ou “pouco discutidos” fosse considerado assunto jornalístico, ficaria absolutamente impossível delimitar onde começa e termina o discurso jornalístico, enquanto forma específica de organização da informação e – em um última instância – forma de conhecimento.
“Leituras” para o público geral de assuntos eruditos parecem-me bem situadas em publicações voltadas para esse fim ou em almanaques, porém dificilmente em um site jornalístico.
Quanto ao termo “manipulável”, não vejo nele nada de “grave”, nem foi ele utilizado em qualquer sentido ofensivo ao colega jornalista. Foi aplicado para caracterizar a maneira como conceito de Atualidade – tradicionalmente um dos elementos definidores do discurso jornalístico e da “noticiabilidade” – pode ser facilmente diluído ou simplesmente excluído em textos que aparentam estar falando de algo “novo”, quando estão apenas fazendo o que você está chamando de “fazer as vezes de leitor” e produzir uma versão “digerida” e “curiosa” em um assunto que nada tem de atual e que não foi “atualizado” por qualquer fato recente que justifique seu tratamento em um espaço jornalístico. Volto a frisar o “jornalístico”…
Sei que a prática é recorrente e perfeitamente aceita e estou comentando-a a partir de um ponto de vista puramente de análise de discurso e teoria do jornalismo. Nada de pessoal ou desabonador ao trabalho do Reinaldo, que aliás produziu uma boa peça, no gênero.
A idéia é justamente provocar reflexão e polêmica em torno da prática, no que parece que fui bem sucedido.
Obrigado por seu interesse e comentário.
Um abraço,
marcos palacios
07/04/2008 at 17:40
Palacios,
Esclarecida a questão do “manipulável”, que pra mim não tinha ficado claro. No entanto, acho que falta a compreensão do que é o “feature”. Defendo que há espaço para este tipo de material na internet – mesmo porque muitos dos que acessam portais de notícias não consomem revistas nem jornais.
Um abraço,
Godoy