Os macacos estiveram em alta na blogosfera brasileira e até internacional, no mês passado, por conta da – para não usar termo mais forte – “pouco feliz” campanha publicitária de um grande jornal paulista.
Ontem os antropóides voltaram à pauta, na forma de “micos”, com uma postagem do Rogério Christofeletti, no Monitorando, falando do blog de Ana Laux sobre trapalhadas jornalísticas de todos os tipos.
Coincidentemente, hoje na reunião mensal do GJOL, estaremos dicutindo o livro The Cult of the Amateur, de Andrew Keen, onde macacos têm também lugar muito proeminente.
Estou, às voltas, portanto, com Os Macacos – o Retorno. E vamos a eles

Se o The Cult of the Amateur, de Andrew Keen, é realmente uma “granada“, como declarou seu autor em entrevista a Richard Sambrook, os estilhaços que lança poderiam ser definidos como um “espalhamento de platitudes” proferidas em tom que lembra um pouco nossos profetas populares, que andam pelas ruas com um cartaz avisando: “Preparai-vos, o Fim está próximo”.
Trata-se de um texto bem escrito e fácil de ler, mas onde basicamente não há nada de novo, pois é senso comum que a Internet é um espaço de luxo e lixo e – certamente – de muito mais lixo que luxo, como ocorre e sempre ocorreu em qualquer suporte cultural. Ou alguém duvida disso?
Tampouco há algo de novo em se afirmar que as formas culturais tradicionais (jornais impressos, música em suporte físico, filmes em DVDs, etc) estão pressionadas pelo advento das tecnologias digitais e perdendo espaço para formas legais e ilegais de difusão de conteúdos (lixo e luxo) nas redes telemáticas.
O problema é que Keen prefere só ver o lixo e constrói, em sete capítulos, um cenário de verdadeiro Apocalípse Cultural, como resultado da generalização da “produção livre de conteúdos na Internet”, da “desregulamentação”, da pirataria e – principalmente- do estabelecimento do que ele chama “o culto do amador”.
O tom do livro é quase sempre conservador, beirando o moralismo, e fortemente posicionado em defesa de formas de acesso pago a conteúdos na Web e da preservação de direitos clássicos de copyright e propriedade intelectual.
A pretensão de The Cult of the Amateur é colocar-se como uma antítese ao A Cauda Longa, de Chris Anderson, já disponível em português. Logo, logo O Culto do Amador estará traduzido, pois é o tipo de livro que as editoras sabem que vende e faz furor nas capas de algumas revistas semanais, igualmente moralistas e alarmistas: Ameaça sinistra na Internet: os Amadores estão assassinando nossa Cultura…
Ao longo de sete capítulos, Keen argumenta que estamos, rapidamente, derivando em direção a uma sociedade onde não mais será possível a emergência de um Mozart, de um Marx, de um Jorge Luis Borges, de um Fernando Pessoa, de um John Lennon ou Tom Jobim. Com a “livre produção e circulação de conteúdos”, a opinião de um Professor de Harvard e a de uma pré-adolescente impúbere passam a ter o mesmo peso, afirma Keen. A literatura desaparecerá, a música de qualidade desaparecerá, o jornalismo desaparecerá e entraremos na era do reinado dos boatos, da opinião desinformada e gratuita e da livre circulação do lixo cultural produzido por amadores.
Será também o fim do livro, ícone máximo da Cultura Ocidental, que se transformará num infinito hipertexto, produto de sempre renovadas colagens e novas hibridações, onde predominará a “sapiência das multidões” (wisdom of the crowd).
Nunca mais leremos algo como Don Quijote ou Hamlet. Nunca mais leremos jornais “sérios” como The New York Times ou o Guardian para nos dizer o que vai pelo mundo.
Teremos que nos contentar com o Drudge Report e com diários de adolescentes descrevendo em detalhes suas primeiras (ou múltiplas) transas, físicas ou virtuais:
“O que acontece, você poderia perguntar, quando a ignorância se encontra com o egoísmo, que se encontra com o mau gosto e com reinado da multidão? Os macacos tomam o poder. Diga adeus aos especialistas de hoje e aos gatekeepers da cultura – nossos repórteres, âncoras de telejornais, editores, produtoras de música, estúdios cinematográficos de Hollywood. No culto do amador de hoje em dia, os macacos estão dirigindo o show”, afirma Keen.
Surprendentemente, no entanto, em suas Conclusões, Keen vai dizer que não é bem assim, que há também algumas luzes no fim do túnel, que os mídias tradicionais estão atravessando um momento de transição e que, no fundo, no fundo, é uma questão de criação ou ajustes de modelos de negócios para os produtores culturais. De preferência, mantendo tudo que puder ser mantido das centenárias formas de copyright… É impossível deixar de ler as Conclusões como uma traição a tudo que foi dito antes, ou como uma espécie de engodo ao leitor, que comprou um anunciado Apocalípse e terminou com um Sermão da Montanha em sua estante.
E o que resta então? A inevitável constatação de que as tecnologias de digitais estão impactando fortemente a cultura? A conclusão que a Educação, nesta nova situação cultural, tem que, necessariamente, fornecer instrumentos para que possamos saber diferenciar luxo de lixo, separar as opiniões informadas de especialistas e “pitacos” de lunáticos ou amadores? Isso é uma função nova ou simplesmente uma continuação de um elemento básico de qualquer processo educacional, desde sempre?
E para terminar, fica impossível não fazer uma referência à afirmação provocadora de Keen na Introdução (e recorrente ao longo do livro): Internet está povoada por macacos digitadores, especialmente quando o assunto é blog.
A imagem, retirada de um livro de T.H. Huxley (o avô do Aldous Huxley, de O Admirável Mundo Novo), é a de um número infinito de macacos, teclando em tempo infinito, em infinitas máquinas de escrever. Eventualmente, provocava Huxley, um deles acabaria por reproduzir o Hamlet de Shakespeare, ou A Crítica da Razão Pura de Kant.
No mundo atual, em que se usam computadores no lugar de máquinas de escrever, o espaço privilegiado para o experimentação dos macacos seria a blogosfera:
“Estamos blogando com uma desvergonha comparável à dos macacos ” (We are blogging with monkeylike shamelessness…), escreve Keen.
Parece que as comparações de tudo que não presta na Internet com “trabalho de macaco” estão em alta.
Pobres macacos…
O fato é que não se pode deixar de notar a coincidência das imagens (e das idéias) de Keen, com aquelas utililizadas em uma campanha publicitária recente, criada para o grande jornal paulista. Se a linha da campanha não foi “inspirada” no profetismo de Keen, o pessoal de criação da Talent deve ler o livro assim que possível.
Certamente sentirão que não estão sós, nem em suas opiniões, nem em seu simplismo…

marcos palacios