Mindy McAdams, em uma postagem intitulada Citizen Journalist, Citizen Vigilante, chama a atenção para uma sequência de fatos que levanta sérios questionamentos sobre o uso do blog como um instrumento de julgamento público e até de incitamento ao justiçamento sumário.
A história é a seguinte: na sexta feira à noite, Jackie Danicki, uma americana de 28 anos moradora em Londres, alegou que, durante cerca de 15 minutos, foi atacada e sofreu abusos sexuais em público, em um vagão do Metrô de Londres. A vítima fotografou com a câmera de seu celular o (alegado) atacante e prestou queixa à polícia.
Jackie Danicki, que mantém um blog sobre mídia e tecnologia, noticiou sua versão do ocorrido, com uma postagem complementada pela foto do acusado. A foto foi postada também no Flickr e, até as 8:00 desta manhã, já havia sido vista 4113 vezes.
A repercussão da história em blogs, com a reprodução da foto do suposto criminoso, tem sido considerável, com chamamentos do tipo “Wanted” e “Ajudem a encontrar um criminoso”. Para complicar ainda mais o quadro, a vítima é caucasiana e o acusado negro, provocando, em paralelo, postagens de caráter abertamente racista.
Mindy McAdams se diz horrorizada com as duas coisas: o (alegado) ataque e a inação das pessoas em volta, mas também com os desdobramentos em torno do fato na blogosfera:
“Ele pode ser culpado, – diz Mindy – mas na Grã Bretanha não há um sistema de justiça para determinar isso? Eu vivo em um país com uma longa, terrível e por demais recente história de linchamentos. Essa caçada humana viral em Londres me apavora até a medula dos ossos”
A história toda não é nada clara: aconteceu realmente como Denicki relata? foi um ataque de caráter sexual? há testemunhas arroladas entre os passageiros que, alegadamente, “nada fizeram para impedir”?
O blog de Jackie Danicki não está disponível para acesso desde a noite de ontem.
Problemas éticos, deontológicos e legais abundam no caso, seja sob uma ótica jornalística de tipo “tradicional”, seja sob aquela da variedade “cidadã”.
Comentários?
marcos palacios
26/11/2006 at 16:35
Numa simplificação, é a dicotomia entre o Bem e o Mal, presente em qualquer ação humana. Tudo, absolutamente qualquer “fato” tem, no mínimo, dois lados, duas formas de ser enxergado, duas perspectivas.
Nesse caso, o questionamente é sobre o bom ou mau uso da informação. Compreendo a iniciativa da tal Jackie: no meu entender, ela considera sua ação um ato cívico, de utilidade pública. NO flickr estão lá amigos dela que dão suporte a essa decisão de mostrar o dito “criminoso”. E, pelo que imagino, a foto desse cara já viajou o mundo inteiro, e muito provavelmente ele mesmo já viu. Nesse estágio, e levantando a hipótese de que não seja culpado, ele deve estar sem esperança alguma de ter um julgamento justo; se ele realmente for culpado, deve estar nesse momento procurando uma maneira de não ser reconhecido. Em ambos os casos, a única bem-sucedida nessa história é a Jackie, que conseguiu visibilidade para o seu problema e uma grande credibilidade pra sua história, verídica ou não, exagerada ou não.
Difícil discernir se ela tinha direito ou não de usar essa informação: a foto do acusado não é lá muito diferente, tecnicamente, de um retrato falado. E, ao que tudo indica, ela procurou ajuda policial. Mais uma vez entendo, e até concordaria com a veiculação dessa imagem, se a mídia não fosse a internet.
Diferente do que acontece com impressos ou com a televisão, como sabemos, na internet as pessoas se apropriam da “notícia” e a repassam com velocidade e distorção imensos: como foi dito no post, pipocaram blogs contendo toda sorte de opiniões sobre o acontecido. Expondo dessa forma o indivíduo o torna, aos olhos de quem lê, culpado, mesmo que exista a possibilidade dele ser inocente. Esse julgamento prévio contraria toda noção de justiça que conheço.
Só falta agora aparecer o vídeo das câmeras de segurança do trem no Youtube pra transformar um dos dois em celebridade. Do bem ou do mal.