Recentemente uma conhecida plataforma de streaming disponibilizou um documentário que falava do dilema ao redor das redes sociais. Uma das frases ditas no filme, e bastante difundida na web, foi precisamente sobre o conteúdo disponibilizado gratuitamente na internet, mas que pode ser cobrado através de publicidade ou captura de dados pessoais: “se o conteúdo é de graça, então provavelmente você seja o produto”. É nesse universo de informações plurais em permanente atualização e de cultivo para a desinformação e notícias falsas que se encontram vários dos desafios da valorização do jornalismo em um mundo de conteúdo quase infinito. Esse foi o tema da abertura da The Online News Association 2020, a cargo de Rasmus Kleis Nielsen, Diretor do Reuters Institute da Universidade de Oxford, que deu origem ao ensaio com o mesmo nome, o qual trazia algumas reflexões centrais para o estudo da relação com as audiências e os modelos de negócios autossustentáveis.

Inicialmente, a questão do valor, aqui entendida tanto como utilidade quanto como preço, considera que em geral as coisas que avaliamos mais úteis dentro de nosso estilo de vida são aquelas pelas quais estamos dispostos a pagar. Na internet, a possibilidade de acessar a inúmeros conteúdos gratuitos é evidente, mas também é alta a oferta de produtos inovadores, de qualidade e exclusivos pelos quais poderíamos pagar. O jornalismo, certamente, não é a primeira opção do usuário que navega pela internet. Aliás, segundo Nielsen, “as pessoas gastam seu tempo e dinheiro em outros lugares”. Por que pagar uma assinatura na Folha ou virar aliado da Agência Pública se já tenho a conta da Netflix para pagar?

Responder a essa pergunta exige muito do jornalismo, pois ele precisa criar produtos inovadores, conteúdos baseados em dados e pesquisas de longa duração, além de disponibilizar espaços de participação e accountability em diferentes plataformas e ainda construir uma relação próxima com os públicos, levando em conta as suas expectativas, através de histórias que atingem as mais diversas realidades. Tudo isso não é de graça, pelo contrário, demanda uma grande quantidade de recursos monetários e humanos. Por isso que, provavelmente, muitos (não necessariamente todos) projetos jornalísticos de interesse geral vão ficar restritos a aqueles que quiserem e puderem pagar pelas notícias.

Aliás, no começo da pandemia de Covid-19, essa foi uma questão sobre a qual refletiu Michael Luo, editor da newyorker.com. A pergunta central era sobre o destino das notícias na era do Coronavirus, para ele “uma imprensa robusta e independente é amplamente considerada uma parte essencial de uma democracia em funcionamento. Ajuda a manter os cidadãos informados; também serve como um baluarte contra os boatos, meias-verdades e propaganda que abundam nas plataformas digitais. É um problema, portanto, quando a maior parte do jornalismo de alta qualidade está atrás de um acesso pago”. Uma vez que a pandemia veio acompanhada pela advertência da Organização Mundial da Saúde de uma infodemia, o valor das notícias por meio de fontes jornalísticas confiáveis foi manifesto, assim como o fato do acesso ser limitado, principalmente em uma situação onde todos procuravam informação segura. A solução de alguns veículos jornalísticos, naquele momento, foi abrir esses paywalls pelo menos no que referia à cobertura do Coronavírus.

Do mesmo modo que mencionava o Diretor do Reuters Institute, somente as elites amantes das notícias pagam pelas notícias”, mas acrescenta-se que o tipo de pagamento que as pessoas fazem varia muito a depender do modelo de negócio do veículo jornalístico. Em particular, pontuaremos brevemente três, que são habitualmente adotados no que se refere às notícias online: assinaturas, financiamento coletivo e memberships.

Uma assinatura é um modelo de financiamento bastante conhecido, caracterizado em grande parte pelo paywall. A ideia das assinaturas é transacional, isto é, o usuário paga pelo acesso a um produto pronto e de qualidade. Quanto mais alto o valor da assinatura, maior o acesso, melhor ou mais diversificado o produto. No geral, são mensais ou anuais. Da mesma forma, existem vários tipos de paywall, como rígido e poroso. No Brasil, alguns veículos como Nexo ou Folha de São Paulo são exemplos de um paywall poroso, pois permite aos leitores ter acesso gratuito até certo número de artigos no mês (7 em geral), para isso a pessoa deve comprovar a assinatura do jornal. Em vários casos, as assinaturas não só incluem acesso aos artigos e reportagens publicados pelo veículo na web, por exemplo o The New Yorker oferece “o pacote” de assinatura à versão impressa, além do acesso a newyorker.com e alguns elementos de merchandising. Em outros casos, as assinaturas se restringem só aos produtos digitais do jornal, sejam no site web ou mesmo no aplicativo, como o caso do Globo.

Já no caso do financiamento coletivo ou crowdfunding, a ideia é financiar um projeto ou objetivo particular, seja criar um produto jornalístico novo (podcast ou site web) ou  financiar uma viagem para uma reportagem. Aqui o usuário contribui uma única vez, pois os financiamentos coletivos, em sua maior parte, acontecem por um tempo determinado. Porém, é possível achar veículos jornalísticos que mantenham aberto o tempo todo a possibilidade de receber essa única contribuição. Este tipo de financiamento é também fartamente conhecido e utilizado dentro e fora do campo jornalístico, especialmente em veículos menores e alternativos que ainda não têm a suficiente estrutura para oferecer um “pacote” de assinatura ou para criar um programa de membership. A depender do projeto a financiar, depois da contribuição, a pessoa poderá receber prestação de contas do que foi ou é feito com o dinheiro, além de algum tipo de recompensa material e agradecimentos públicos no produto final. No Brasil, podemos mencionar a Mídia Ninja como um exemplo deste tipo de financiamento. Na maioria das vezes, por serem veículos com pouca estrutura em seus sites web, utilizam outras plataformas com infraestrutura para pagamentos online como Facebook fundraisers ou Catarse .

Finalmente, as memberships se propõem a oferecer um jornalismo no qual o público possa participar do processo de criação da notícia e não somente como receptor do resultado final. Ao decidir implementar este modelo, a redação fica de portas abertas para o público membro. Além disso, a comunicação passa a ser pensada de forma mais fluída, constante e recíproca. Aqui os paywalls são uma excepcionalidade, mas não uma impossibilidade. Da mesma forma que as assinaturas, os memberships também mantêm uma cobrança mensal de diferentes valores, alguns fixos e outros mais abertos, mas não muda o status de apoiador, aliado ou membro. Isto é, não importa se a sua contribuição foi no valor de X ou Y, as possibilidades de fazer parte vão ser sempre as mesmas.

Um dos jornais referência no mundo pela sua implementação do modelo de memberships é a mídia holandesa The Correspondent, que soma mais de 50.000 membros que mensalmente apoiam seu jornalismo, sendo a principal e maior fonte de financiamento do jornal. Segundo informa no site, seu Choose What You Pay model permite aos membros ajustar o pagamento segundo suas possibilidades e realidades econômicas (ver mais). Diferente de outras memberships, The Correspondent tem um paywall rígido, ou seja, a grande maioria dos artigos estão disponíveis só para os membros e só um número reduzido do conteúdo é disponibilizado para o público geral. Porém, se o conteúdo é compartilhado por um dos membros, nas suas redes sociais ou por email, este estará liberado para qualquer pessoa que acesse por aquele link. No Brasil, A Agência Pública lançou há um ano seu programa de aliados, um modelo de memberships com o qual o jornal quer se aproximar de seus leitores, além de fortalecer essa fonte como financiamento principal. Diferentemente do The Correspondent, a Agência Pública não tem paywall, mas os aliados podem fazer o login no site para administrar a sua membership e também votar na entrevista do mês.

Como foi dito antes, responder à pergunta que dá titulo para esta reflexão é complexo e não existe receita de bolo que garanta o êxito de um desses modelos. A realidade mostra que cada veículo tem suas particularidades e faz adaptações no modelo escolhido, também é certo que nem todos os modelos são adequados para todos os veículos e que isso deve ser pensado com cuidado. Até o momento, o caráter híbrido das fontes de financiamento no jornalismo digital poderia ser o que consegue descrevê-lo mais facilmente nesse sentido.

Para o Diretor do Reuters Institute, nessa batalha pelo financiamento, as pequenas startups têm um duplo desafio, pois “a maior parte da atenção e publicidade vai para algumas plataformas grandes” e uma parte pequena para as mídias menores, mais especializadas ou locais. Assim, devem permanecer visíveis ao leitor (e possível financiador) no universo de conteúdos da internet, onde os grandes jornais já são reconhecidos pelo público. Contudo, o fato é que “uma grande maioria da população nunca pagará pelas notícias” ainda que os jornalistas procurem mais e melhores maneiras de exercerem seu trabalho, de recuperar a confiança e de fazer notório o valor da profissão nas nossas sociedades contemporâneas, algo que a pandemia “demonstrou poderosamente”, segundo Nielsen.

Tudo isto não deve desmotivar, mas sim encorajar a continuar enfrentando desafios e que como aconselha, no final do texto, o Diretor do Reuters Institute, “se você é melhor do que as pessoas pensam, mostre. Se as notícias não são melhores do que muitas pessoas pensam, deveriam ser” e, quem sabe, obter o apoio econômico dos leitores não seja um patamar difícil de alcançar.

 

 

Referências:
NIELSEN, Rasmus. Valuing journalism in a world of near-infinite content. Reuters Institute for the Study of Journalism, University of Oxford. 2020. Disponível em: https://reutersinstitute.politics.ox.ac.uk/risj-review/valuing-journalism-world-near-infinite-content. Acesso em: outubro 2020

LUO, Michael. The Fate of the News in the Age of the Coronavirus Can a fragile media ecosystem survive the pandemic? The New Yorker. 2020. Disponível em: https://www.newyorker.com/news/annals-of-communications/the-fate-of-the-news-in-the-age-of-the-coronavirus. Acesso em: outubro 2020