The Markup é uma startup de notícias dedicada a investigar a tecnologia e seus efeitos na sociedade. Esta semana, a reportagem de Adrianne Jeffries e Leon Yin “Principais resultados de pesquisa do Google? Surpresa, são do Google!” mostrou os impactos de uma mudança que vem sendo incrementada ao longo dos últimos anos: cada vez mais, os resultados da busca são apresentados em forma de respostas elaboradas e em formatos diversos, para que a pessoa não precise sair do Google (e nem clicar em nada) para encontrar o que precisa.

Após examinar mais de 15.000 perguntas populares no Google Trends, a The Markup descobriu que o Google dedica em média 41% da primeira página de resultados em mobile para seus próprios produtos e para o que eles chamam de “respostas diretas” (direct answers), que são preenchidas com informações de outras fontes, às vezes sem seu conhecimento ou consentimento.

Vejam um exemplo: uma das buscas populares era sobre “infarto do miocárdio”, cujo resultado mostra como o Google coloca seus produtos no topo. Os resultados foram:

– Uma definição do dicionário do Google;

– Um box “As pessoas também perguntam”, que se expande para oferecer perguntas relacionadas sem sair da página de resultados;

– Um “painel do conhecimento”, com um resumo enciclopédico e vários links;

– E um carrossel de “condições relacionadas”, levando para novas buscas do Google para outras doenças.

“Tudo isso apareceu antes dos resultados da WebMD, Universidade de Harvard e Medscape. Isso significa que um usuário precisaria rolar quase a metade da página – cerca de 42% – antes de alcançar o primeiro resultado orgânico nessa pesquisa”, diz a reportagem. Resultado orgânico é aquele não-pago, cujo bom ranqueamento é conseguido, entre outras razões, pela aplicação adequada das técnicas de SEO (Search Engine Optimization). 

A decisão do Google de colocar seus produtos acima dos concorrentes e apresentar “respostas” na página de pesquisa levou a ações judiciais e multas regulatórias. Vários sites disseram que isso representou queda em suas receitas. O “Google Flights” e “Google Hotels”, por exemplo, são líderes de mercado e ganharam quase duas vezes mais cliques do que concorrentes como Expedia.com e Booking.com. A reportagem também descobriu que, apesar de aparecer em primeiro, o Google Flights mostra resultados às vezes incompletos, sem todas as opções de voos. Ou seja, privilegiar os próprios produtos entrega um serviço nem sempre de excelência para o usuário.

Mas é no usuário que se sustenta a defesa feita pela porta-voz do Google, Lara Levin: “Fornecer links de feedback, ajudar as pessoas a reformular consultas ou explorar tópicos e apresentar fatos rápidos não foi projetado para dar preferência ao Google. Esses recursos são fundamentalmente do interesse dos usuários, que validamos por meio de um rigoroso processo de testes”, afirmou. 

Um dos impactos da reportagem foi a menção pelo presidente da subcomissão antitruste do Congresso dos EUA, David Cicilline. Ao se dirigir a Sundar Puchai, CEO da Alphabet (empresa-mãe do Google), Cicilline afirmou que a investigação da The Markup revela que as buscas do Google colocam os produtos e resultados da empresa acima dos concorrentes, numa espécie de “jardim murado”.

Uma breve observação exploratória

A investigação da The Markup me despertou curiosidade em verificar como se comporta a página de resultados da busca do Google aqui no Brasil. Pesquisei o termo que é atualmente, talvez o mais importante: coronavírus. Algumas coisas me chamaram atenção:

Captura de tela da página de resultados do Google para o termo “coronavírus”, feita na tarde do dia 31/7/2020, em Salvador (BA). Clique na imagem para ampliá-la.

  • A página de resultados é praticamente um novo site, incluindo os menus laterais “visão geral”, “estatísticas”, “informações sobre saúde”, “teste”, “superação” e “notícias”. Sem dúvida, eu consigo obter uma boa quantidade de informações sem precisar sair do Google. Isso seria aceitável, não fosse o fato de que a gigante de tecnologia não produziu uma linha daquele conteúdo: tudo vem de outros sites. 
  • Os dois primeiros resultados são carrosséis de notícias nacionais e locais, respectivamente. Levando em consideração que há pessoas que só leem o título da notícia, há a possibilidade de a pessoa se satisfazer com a informação sem clicar no site jornalístico. Com a mesma hierarquia, na lateral, aparece o “mapa de casos”, cujas fontes de informação são a Wikipedia e o New York Times. Esse último me causou bastante estranheza e, ao clicar no link, fui direcionada à página com os números dos EUA (há até uma lista com nomes de países que inclui o Brasil, mas leva a outra página). Realmente não consegui compreender por que o NYT aparece como fonte para os dados do Brasil, e não, por exemplo, veículos jornalísticos do nosso país. 
  • Após as notícias, os resultados levam, quase na totalidade, para informações do Ministério da Saúde, com exceção de “Vídeos” (do UOL, Jornal da Record e Drauzio Varella); e “Informações sobre saúde” e “Superação”, que levam para conteúdos da Organização Mundial da Saúde (OMS). O carrossel de anúncios é todo do governo federal, com design muito parecido com o das notícias. O conteúdo, no entanto, é bem diferente, pois promove as ações do governo, tais como “Forças Armadas transportam mais de 32 toneladas de materiais para combater a pandemia” e “Auxílio Emergencial chega a 80% dos lares mais pobres do País”. 
  • O box “Autoridades locais e de saúde no Twitter” leva para posts do Ministério da Saúde e da Fiocruz, no momento da minha consulta. Duas das três informações do carrossel, no entanto, não eram sobre o coronavírus, mas sobre hepatites virais, o que não condiz com o meu termo de busca.
  • Entregar ao usuário resultados do Ministério da Saúde faz sentido, já que se trata da principal fonte oficial sobre a doença no país. No entanto, o Brasil tem sido criticado mundialmente pela forma como tem lidado com a pandemia. O presidente Bolsonaro constantemente nega a gravidade da doença. Tal situação levou, por exemplo, a uma resposta preocupante no box “Dúvidas comuns”. A pergunta era: “A cloroquina pode ser usada para tratar pacientes com doença do coronavírus?”. E a resposta, que leva a um conteúdo do site do Ministério da Saúde: “Por ser uma doença nova, ainda não há evidências científicas suficientes que comprovem a eficácia do medicamento para casos de coronavírus. No entanto, há estudos promissores que demonstram o benefício do uso em pacientes graves”. Trata-se de uma informação minimamente imprecisa e que pode gerar confusão, pois entidades como a OMS apontam que não há comprovação científica da eficácia da cloroquina no tratamento da Covid-19. “Além disso, diversos testes com cloroquina e hidroxicloroquina foram suspensos, após não apresentarem bons resultados no combate ao novo coronavírus”, diz esta matéria da BBC Brasil.
  • Os resultados orgânicos só aparecem no final da primeira página de resultados, com links para os órgãos de Saúde estaduais e federal; e para sites de notícia. A exceção foi o site “Dasa”, que apareceu em quarto lugar, e parece ser de uma empresa que faz exames para Covid-19.

Assim, minha observação exploratória acabou confirmando a investigação da The Markup: a página de resultados sobre o novo coronavírus é quase um novo site repleto de informações, que podem ser consultadas sem que a pessoa seja direcionada aos sites detentores das informações originais. No caso do Brasil, ter o Ministério da Saúde como principal fonte pode levar a informações imprecisas, como no exemplo da cloroquina. Trata-se de algo bastante grave, tendo em vista a qualidade que se espera de uma das principais empresas de tecnologia do mundo. 

Além de ter consequências financeiras para outras empresas (incluindo aqui as jornalísticas), essa mudança pode representar também uma perda para o usuário, que acaba sendo exposto à desinformação, como no caso observado.