O uso do Facebook Live é um fenômeno no Brasil, uma vez que ele está presente em 81% das redações nacionais. Este dado é revelado pela observação científica do jornalista e pesquisador Alexandro Mota em sua dissertação “Jornalismo Live Streaming: Um estudo das apropriações jornalísticas da tecnologia de transmissão audiovisual ao vivo no Facebook”, defendida em 2019, com a orientação do Professor Doutor Marcos Silva Palacios, na Universidade Federal da Bahia (UFBA). A recente investigação coloca à vista que a absorção no jornalismo do live stream (ao vivo) tem transformado, por exemplo, a maneira que se consome conteúdo, visto que o formato potencialmente agrupa maior engajamento. Acompanhe abaixo a entrevista com o cientista Alexandro Mota em que o pesquisador fala sobre os desdobramentos nas rotinas produtivas das redações com a introdução da instantaneidade intensiva e acerca da mudança relativa à emissão ou recepção de conteúdo em ambiente de live stream.

O Brasil está vivenciando o crescimento do live streaming nas redes sociais digitais durante este período de pandemia do coronavírus, dado que uma parte significativa da sociedade brasileira está em isolamento social. Considerando o referido contexto, como o live streaming transformou, por exemplo, o consumo de notícias?

A minha observação é de que o contexto atual retirou as lives, seus sentidos e tecnologia, de nichos que antes eram muito bem demarcados (você vai ter aí gamers, líderes religiosos e políticos, também o uso noticioso, em alguma medida), para um público mais próximo do massivo. Obviamente, é importante observar que esse ‘boom’ está relacionado ao entretenimento. No Brasil e em vários outros países, essa popularização se dá também por conta de grandes nomes da música que mobilizam grande público, mas também está associado a todo o contexto de isolamento social, com a busca de experiências que tirem as pessoas do tédio, que deem a elas oportunidades de conversação etc.. Nessas condições, eu não acredito que o live streaming tenha transformado em grande escala o que os veículos já vinham fazendo nesse formato antes da pandemia. Falo, obviamente, de um modo geral. Eu acredito que essa popularização do formato, do seu uso, do conhecimento das pessoas de seu funcionamento e a criação de hábitos possam regar o terreno para que as organizações de notícias ampliem sua produção, se inspirem, melhorem a comunicação com esse público agora mais letrado em lives. Agora, eu não percebo que tenha havido, por conta do coronavírus, para além das temáticas, mudanças significativas nos usos noticiosos que eu identifiquei na minha pesquisa. Mas aproveito para destacar uma iniciativa, a do jornal O Globo, que acho que soube com muita antecedência aproveitar esse terreno criando já nas primeiras semanas de isolamento um conceito de festival musical com o uso das lives. Não é algo que está diretamente relacionado com o uso noticioso, mas eu acredito que são boas formas dos veículos gerarem conversação e engajamento em torno de suas marcas nas redes sociais.

Fotografia tirada no cenário de sala de aula, composta pelo mestrando Alexandro Mota junto com a professora Juliana Gutmann, à sua esquerda, os professores Fernando Firmino da Silva, ao centro da imagem e de modo virtual, ao lado os professores Washington Souza Filho e Marcos Palacios.
A banca foi composta pela professora Doutora Juliana Gutmann juntamente com os professores Doutores Fernando Firmino da Silva, Washington Souza Filho e Marcos Palacios
Foto: Arquivo pessoal

Na sua investigação a respeito das lives do Facebook dos veículos baianos Correio, Bahia Notícias, iBahia, os conteúdos concentraram-se no hard news?

A minha observação dos veículos baianos foi muito no sentido de identificar os usos mais iniciais das lives em um contexto local, embora eu tenha acabado ampliado essa pesquisa depois, mesmo que de modo não sistemático, para além do recorte inicial dos primeiros três meses após a liberação do recurso do Facebook Live para esses veículos. Respondendo, o primeiro contato desses veículos não foi, em geral,  ligado ao hard news, embora tenha tido alguns exemplos, como a cobertura da admissibilidade do impeachment da presidenta Dilma Rousseff pelo Bahia Notícias, em Brasília. Nesse recorte dos três primeiros meses de live por essas redações que você citou, menos de 25% do tempo das transmissões eram dedicados ao hard news.

A apropriação do live streaming pelos veículos baianos analisados difere em que medida do corpus do Gazeta do Povo (Curitiba/PR) e do O Globo (Rio de Janeiro – RJ)?

Na minha pesquisa não há um esforço comparativo entre as redações. A experiência de cada uma delas é mobilizada muito mais no sentido de tentar responder diferentes questões em relação ao formato. Então, enquanto a experiência baiana foi muito mais usada para entender as apropriações iniciais da tecnologia, a experiência do O Globo foi um caso para entender as lives mais do ponto de vista narrativo e as produções do Gazeta do Povo utilizadas no entendimento de continuidades, potencialidades e rupturas em relação ao broadcasting televisivo. É possível, no entanto, fazer algumas comparações. Essas duas redações, O Globo e Gazeta do Povo, em relação às empresas baianas Correio, Bahia Notícias, iBahia experimentaram mais coberturas do hard news e de rua, além disso, tiveram um maior investimento em condições técnicas, incluindo aí plano de dados e equipamentos. Disto isto, penso que O Globo e Gazeta do Povo usaram mais lives para fins analíticos, com o intuito de dar espaço para seus colunistas, por exemplo. Já as redações baianas em pauta são presas à redação justamente pela falta desses investimentos, falo pontualmente do Bahia Notícias e do Correio e, especificamente, no período analisado, visto que o Bahia Notícias investiu posteriormente, mas me parece ter escolhido uma estética de redação. Destaco ainda que essas comparações não estão relacionadas à qualidade e penso que há muito mais similaridades que diferenças, principalmente nas implicações profissionais, no modo como os jornalistas conduzem as lives, nas temáticas e na interação do público. 

A sua dissertação conceitua o Jornalismo Live Streaming como “um conteúdo em tempo real ou atual que é entregue conforme é gerado, dentro de uma lógica de instantaneidade intensiva”. Em sua opinião, além do efeito do instantâneo, este novo formato confere autenticidade e legitimidade, reforça a credibilidade dos meios de comunicação, estabelece uma relação de proximidade ou de presença, ampliando  também a sensação de transparência?

Essa não é exatamente a conceituação, é parte dela. Como digo na dissertação, se olhássemos apenas para esse trecho teríamos aquele formato minuto-a-minuto como parte do Jornalismo Live Streaming e não é exatamente isso. Mas eu vou explicar melhor. Primeiro é bom dizer que não é uma ideia minha, mas uma atualização que eu faço de uma formulação do professor Dr. Fernando Firmino da Silva, que aponta para novos contextos comunicacionais impulsionados, entre outros fatores, pelas mídias sociais e pela melhoria da qualidade da internet e de equipamentos. Além da ideia de instantaneidade que você cita, ligada a uma maior sincronicidade entre produção, formatação, circulação e consumo das notícias, temos como caracterizadores dessa ideia o uso propriamente de tecnologias live streaming, uma alta visibilidade das interações de quem consome de modo a, potencialmente, serem coprodutores desse noticiário e isso com uma baixa moderação. É um pouco tudo isso junto e misturado, como se diz popularmente. A consequência disso vai ser, sim, o que você diz, o jornalismo reforçando sua autoridade em narrar o tempo presente por meio de estratégias de proximidade, mediação e de presença, mas, também, ele reforça, em diferentes níveis, maior transparência dos seus processos, quando coloca na tela, em conversa com os leitores, jornalistas que antes só assinavam matérias em texto sem aparecer, por exemplo, ou quando está na rua mostrando a notícia no momento em que ela acontece e com uma estética quase amadora de captação e transmissão de imagens, o que reforça um pouco aquela ideia da “vida como ela é”, do flagra. 

Essa tecnologia conhecida como Mobile Streaming Video Technologies (MSVTs), Video Live-streaming, Social Streaming ou, ainda, como Social Media Live Streaming (SMLS) tem mostrado seu potencial em relação à interatividade. Durante a análise de seu corpus é possível observar que as lives têm como principal função gerar engajamento entre os usuários do Facebook?

A interatividade é mesmo indissociável das MSVTs, justamente por essa tecnologia, independente do nome usado,  tratar-se de um acoplamento ou de uma camada de rede social adicionada a uma infraestrutura que não é nova. Ou seja, há muito tempo é possível fazer transmissão de vídeo por streaming na internet. O que muda com a diminuição da latência ou do delay dessa transmissão é essa possibilidade de maior interação entre quem faz e quem assiste ou entre as pessoas que assistem. Isso tem sido permitido com as infraestruturas das redes, que já tem um público com perfis prontos e dispostos a consumir. No mapeamento que fizemos das lives de veículos brasileiros, com os metadados de 235 mil vídeos, a média de comentários registrada em lives é praticamente cinco vezes maior que a dos vídeos que são gravados e depois publicados nas páginas dos veículos. Acho que esse é um bom indicador para pensar o engajamento das lives.

Além do uso do recurso vídeo-selfie como assinatura dos repórteres, qual outra peculiaridade o senhor como pesquisador destaca em relação ao Jornalismo Live Streaming?

Eu penso que do ponto de vista da atuação, as lives são um bom exemplo da ideia de polivalência profissional e, nesse sentido, tem repórteres cuja especialidade não era estar diante das câmeras, distanciando-se da performance do repórter televisivo, inclusive por uma condição que é a de um “híbrido repórter-celular”. Penso que as constantes negociações técnicas entre quem transmite e quem assiste – ‘a internet caiu’, ‘vocês estão me ouvindo?’, ‘vou virar aqui a câmera’ – é outra característica que distingue esse formato. Além disso, no meu trabalho, eu falo da estética do registro amador, a informalidade, a soberania da imagem em relação ao áudio e a narração como outros caracterizadores, principalmente na cobertura de rua, que é, como eu acredito, quando se explora ao máximo as potencialidades desse recurso para uso jornalístico.

Um dos procedimentos científicos em sua investigação é a adoção da triangulação metodológica combinando o estudo de caso. Essa metodologia assumida em sua pesquisa tem sido apontada pela pesquisadora Roseli Figaro (2014) como uma alternativa capaz de construir coerência e coesão metodológica nas pesquisas de comunicação. Discorra, gentilmente, com o foco em sua pesquisa, sobre o que consiste a triangulação metodológica, quais são as vantagens e quais são os desdobramentos positivos deste método científico.

Com recursos dos estudos de caso ilustrativo que já são uma tradição nas pesquisas do GJOL (Grupo de Pesquisa em Jornalismo On-Line), a pesquisa seguiu uma triangulação de lógica qualitativa-quantitativa-qualitativa. Estruturamos, inicialmente, duas etapas analíticas qualitativas, sendo a primeira uma pesquisa exploratória das redações de Salvador e a segunda uma pesquisa documental dos discursos em torno do live streaming (o próprio Facebook em seu site e em um curso, e o mercado por meio de colunistas da imprensa especializada em mídia e tecnologia). Seguiram-se uma etapa quantitativa (com o levantamento dos metadados de vídeos postados no Facebook por 215 páginas de jornais impressos, sites de notícias e TVs do Brasil) e, novamente, outras duas etapas qualitativas, com as análises das lives de uma redação do Rio de Janeiro e outra de Curitiba. Essas duas coberturas finais, O Globo e Gazeta, foram apontadas ou se destacaram do acompanhamento do quantitativo. Então, essa é uma das possibilidades de triangulação, a intercalação entre métodos e procedimentos que vão lhe dar diferentes tipos de respostas de modo a ter uma maior complementariedade daquilo que você está estudando.

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Na atual conjectura brasileira, tornar pública a Divulgação Científica, que constitui núcleo central da produção simbólica de nossa sociedade, contribui para um olhar atento, crítico e reflexivo sobre a configuração do cotidiano e sobre a politização de questões do dia-a-dia, promovendo uma reorganização dos processos de aprendizagem, de conversação cívica, de mobilização para solucionar os problemas de saúde pública, culturais, socioeconômicos e políticos.

REFERÊNCIAS

BARBOSA, Suzana; RIBAS, Beatriz. Mapeamento conceitual e metodológico preliminar sobre as bases de dados no ciberjornalismo. In: DIAZ NOCI, Javier; PALACIOS, Marcos. Metodologia para o estudo dos cibermeios: Estado da arte & perspectivas. Salvador: EDUFBA. 2008,  p. 113-140. Disponível em: https://facom.ufba.br/jol/pdf/2007_Barbosa_Ribas_Coloqui.pdf

FIGARO, Roseli. A triangulação metodológica em pesquisas sobre a Comunicação no mundo do trabalho. Rio Grande do Sul: Fronteiras – estudos midiáticos, Edição 2, volume 16, 2014, p. 124-131.  Disponível em: http://www.revistas.unisinos.br/index.php/fronteiras/article/view/5947

MOTA, Alexandro. Jornalismo Live Streaming: Um estudo das apropriações jornalísticas da tecnologia de transmissão audiovisual ao vivo no Facebook. Orientador: Marcos Silva Palacios. 2019. 283 f. Dissertação (Mestrado em Comunicação e Cultura Contemporâneas), Faculdade de Comunicação, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2019. Disponível em: https://gjol.net/wp-content/uploads/2019/10/MOTA-2019.-DISSERTA%C3%87%C3%83O-Jornalismo-Live-Streaming-_-FB-LIVE_vers%C3%A3o-FINAL.pdf

SILVA, F. F. da. Jornalismo live streaming: tempo real, mobilidade e espaço urbano.In: VI Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo, UMESP (Universidade Metodista de São Paulo), São Bernardo do Campo. Anais… São Bernardo do Campo: 2008b. Disponível em: https://slidex.tips/download/jornalismo-live-streaming-tempo-real-mobilidade-e-espaourbano