Em um restaurante, um grupo de amigos pede ao garçom para fazer uma foto das pessoas ao redor da mesa. O fotógrafo de ocasião se posiciona, celular na mão, mira e faz um disparo. Assim que termina o primeiro, fala “mais uma para garantir” e prontamente faz mais uma captura com a objetiva acoplada no smartphone de uma das pessoas da mesa. Devolve o telefone e volta ao trabalho.

É perceptível na fala do garçom como determinadas práticas enraizadas numa cultura fotográfica existente antes da digitalização das imagens permanece mesmo que mudem o meio e suas características. O ato de fazer “mais uma para garantir” vem do fato de que, quando fazíamos uma foto, não tínhamos a certeza de que aquele disparo geraria realmente uma imagem visível. Antes de revelarmos o filme, enquanto as imagens do negativo ainda fossem imagens latentes, imagens em potencial e não em matéria, o que sairia daquele filme era uma incógnita. A imagem poderia aparecer depois de revelada ou ser “queimada”, fazendo com que perdêssemos o registro daquele momento. Por isso, em momentos solenes, importantes, fazíamos mais de um disparo para o caso de um dos fotogramas ficar superexposto.

A partir do momento em que a fotografia é digitalizada e podemos, então, ter acesso ao resultado da imagem no momento mesmo em que a captura é feita, não há mais a necessidade de fazer mais de um disparo para não perdermos o registro. O que pode acontecer é não gostarmos da primeira imagem e, em seguida, fazermos outra. Porém, esse “vício” de fazer mais de uma imagem idênticas continua enraizado tanto no garçom quando diz “mais uma para garantir” quanto em nós mesmos, quando vamos fazer uma selfie entre amigos, por exemplo.

A digitalização da fotografia foi uma mudança imensa no meio fotográfico em diversos aspectos, um deles sendo a eliminação do filme fotográfico e todos os gastos que ele envolvia. Não precisamos mais pagar a revelação nem comprar novos filmes. Nas câmeras digitais e celulares com câmeras acopladas, a capacidade de armazenamento desses aparelhos ou de seus cartões de memória permite que sejam feitas muito mais que apenas as 36 poses do filme. Além disso, uma vez que a memória desses dispositivos fica cheia, podemos, sem custos, passar essas imagens para um computador ou site de armazenamento em nuvem, com capacidade maior, e, assim, “resetarmos” essa memória para fazer ainda mais imagens.

Assim, o que ocorre é que a partir do momento em que podemos fazer uma quantidade ainda maior de fotografias sem adição de custos, mesmo que não tenhamos mais a incerteza da revelação da imagem, há uma potencialização do costume de fazermos mais de um disparo. Ou seja, se antes a ideia era fazer mais uma para garantir que determinada imagem fosse revelada, o que acontece hoje é que fazemos mais diversas, não mais por conta de uma limitação do aparelho, mas por conta de um costume que ficou e, com o novo meio, pôde exacerbar-se. Hoje, não fazemos “mais uma para garantir”, fazemos “mais várias para suprir nossa necessidade enraizada”.