Donald Trump trava a primeira guerra do seu mandato: contra o jornalismo. No Brasil, Michel Temer restringe a circulação de profissionais da imprensa no Palácio do Planalto enquanto no Rio de Janeiro um passaralho ocorre em um grupo de tradição impressa sob a maquiagem do surgimento de uma nova redação multiplataforma, multimídia e multimarca. O The Guardian agoniza. Quem já perdeu o fôlego com o jornalismo em 2017 nestes agitados 41 dias tem aqui quatro lentes para refletir sobre o que esperar dos meios de comunicação ao longo do ano.

Tratam-se de quatro recomendações de leituras que se desdobram e se complementam. São elas a coletânea de textos organizadas pelo Farol Jornalismo em parceria com a Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo), intitulada O Jornalismo no Brasil em 2017, uma espécie de versão brasileira do Predictions for Journalism, do Nieman Lab, também listado aqui. Bem como sugerimos os textos Jornalismo em 2017: vai ser bagunçado!, do professor da LSE Media (Londres) Charlie Beckett, e Como Assassinar a Mídia em 2017, do jornalista e fundador da empresa de consultoria The Splice Newsroom, Alan Soon.

Nas entrelinhas dessas publicações, se observa a urgência imprescindível aos meios de comunicação em aguçar a sensibilidade para perceber o público e uma lição para que estes não necessariamente reproduzam os cases de sucesso das redes sociais, mas saibam se distinguir delas na forma como produzem, de forma responsável, notícias. Os textos apontam como 2017 pode ser um ano de reposicionamento dos veículos de comunicação na vida social, mudança esta que vai exigir dos veículos maior reflexão sobre os impactos das suas produções ou da falta delas. Acompanhe os destaques.

1. Há esperanças

O projeto O jornalismo no Brasil em 2017 é um bom respiro e ânimo para jornalistas desacreditados. Ele aponta caminhos para driblar velhos desafios que em alguns casos beiram a utopia, mas que no final convencem em quanto meta. Resta saber se as organizações jornalísticas brasileiras vão comprar ideias arriscadas, como a abertura das contas das redações, o investimento em podcasts e na ampliação do “discurso noticioso”, em especial com minorias.

Há contrapontos em relação ao otimismo. Vejam que eles apresentam o conteúdo com a seguinte introdução: “se 2016 foi o ano da pós-verdade, 2017 deverá ser o ano da transparência para o jornalismo brasileiro”. No entanto, ao longo dos artigos produzidos por 13 autores surgem questões espinhosas e que contradizem esse cenário ideal, como a constatação da perda de credibilidade que os veículos vêm sofrendo e o insuficiente número de jornalistas capacitados para lidar com dados (que são unha e carne do aspecto da transparência).

Outra tônica dos artigos é a necessidade de Investimento no aspecto da qualidade através de diferentes esforços, desde questões estéticas, passando pelo longform e o esforço de precisão nas apurações.  Nesse último ponto, o artigo da diretora executiva e cofundadora do site Aos Fatos, Tai Nalon, toca em um cenário muito provável para o ano que já está a todo o vapor:

“2017 será um balão de ensaio tecnológico para as eleições nacionais de 2018. Há espaço (e tempo) para o desenvolvimento de aplicativos, publicadores, add-ons e bancos de dados inteligentes para municiar checadores — e o jornalismo, de modo geral — no combate à disseminação de mentiras nas redes”.

 

2. We’re fucked

Em outro extremo, Como Assassinar a Mídia em 2017 e seu autor Alan Soon estão confiantes que os prognósticos não são nada otimistas. Alan lista 22 formas de continuar caminhando na contramão do que se espera dos veículos de comunicação em 2017 e quem lê os tópicos consegue perceber que há empresas planejando esse “homicídio”. Ele ironiza que métricas são o melhor caminho para medir a qualidade das equipes, que os veículos devem ignorar ou fechar a seção de comentário, continuar explorando o uso de “exclusivo” sem repensá-lo, se acomodar com uma boa versão do site para desktop, ignorar as diversidades de gênero e de raça e, já que todos os seus amigos usam iPhones, nunca esquecer que Android é um lixo. Com essas e outra ironias ele é mais um que entra para o time que defende que se importar com o usuário é o que há em 2017.

3. Confusão

Será tudo uma grande confusão. É isso que defende o professor Charlie Beckett em seu texto Jornalismo em 2017: vai ser bagunçado!. Suas contribuições para o ano pedem um pouco de freio ao ponderar que as tendências não surgem dentro da limitação de 12 meses, elas são percebidas fora desse calendário. Mas ele chama atenção que o tempo em que os jornalistas têm corrido contra as perdas de receita deverá ser revisto com a definição de prioridades e foco no que funciona. Este ano, acredita Beckett, empresas especializadas em auxiliar organizações de notícias a criar ou conectar conteúdos, como as relacionadas a análise de dados, ganharão força.  Sobre o público, ele escreve que o desafio principal é: 2017 tem de ser o ano em que os jornalistas trabalham ainda mais para ir além da audiência principal de viciados em notícias para atrair consumidores mais jovens e mais diversificados que cada vez mais só descobrem notícias fora dos canais tradicionais

4. Muitas vozes

Predictions for Journalism, do Nieman Lab, reúne mais de 140 textos de gente que pensa o Jornalismo. Novamente: foco em entender quem é o seu público leitor, com os desafios de colocar as pessoas no centro, dar suporte aos leitores, encontrar modelos de mensuração novos capazes de entender questões como engajamento, intenção e tempo, além de (novamente) priorizar conteúdos, em vez de criar tudo para todos em uma corrida pelo clique. “Em 2017, os editores que otimizam a qualidade do conteúdo sobre a quantidade de cliques vão ganhar a lealdade – e os negócios – de leitores. Suas audiências podem ser menores, mas eles podem ser mais valiosos”, destaca Keren Goldshlager.

Boa leitura! ; )