nytO jornal The New York Times divulgou essa semana mais um relatório em que expõe algumas de suas estratégias e aspirações sobre o seu futuro. No documento, as mudanças pontuadas para os próximos anos têm o objetivo de manter a força de uma marca reconhecida como o maior jornal do mundo, em termos de representatividade e credibilidade. Mas, apesar de levantar questões muito importantes para a evolução da indústria, veremos que o NYT traz também algumas propostas que já são velhas conhecidas do ambiente digital e esquece de outras.

O que fica claro no relatório apresentado, assim como em outros documentos do tipo, é a necessidade de se inovar para evitar ser engolido pela avalanche da destruição criativa, que já derrubou muitas empresas por aí. A tarefa é cada vez mais difícil em um cenário de disputas vorazes, com concorrentes que nem sempre colocam a qualidade em termos jornalísticos em primeiro lugar, com players super preocupados em lucrar ou com a sustentabilidade financeira do negócio em debilidade e com mudanças alucinantes na configuração do ecossistema digital.

Por conta deste ambiente adverso (e como o próprio documento é iniciado), “Este é um momento vital na vida do The New York Times”. Na verdade, este deveria ser um momento vital para o jornalismo. É a hora de definir posicionamentos que explorem as vantagens das inovações no ambiente digital e que vençam a batalha, que está sendo perdida neste momento, para questões como a pós-verdade ou o avanço de ideologias e posições bastante extremistas e danosas para a sociedade.

Aproveito este ensejo para destacar aqui já duas ausências de temas importantes para a contemporaneidade no relatório e nos comentários finais realizados pelos editores entrevistados. As diretrizes do NYT não trazem estratégias responsáveis por combater a expansão das “notícias falsas” na internet – assunto que está na agenda do dia dos agentes da indústria midiática. Nem cita posicionamentos ou mudanças em sua redação que estejam relacionadas ao cenário político estadunidense liderado por Donald Trump – que certamente terá uma relação complicada com a imprensa que fez oposição à sua candidatura, inclusive o NYT.

Da busca por cliques aos assinantes

O NYT faz questão de afirmar que maximizar cliques não faz parte de sua estratégia política-editorial e do negócio. “Não estamos tentando vencer uma corrida armamentista por pageviews”, informa. Eles acreditam que um jornalismo de qualidade é capaz de agregar milhões de novos assinantes. No ano passado, por exemplo, o jornal somou U$ 500 milhões em receita somente no ambiente digital, o que seria mais do que os outros líderes do mercado somadas – BuzzFeed, The Guardian e The Washington Post. São mais de 1,5 milhão de assinantes digitais.

A fórmula do NYT não é exatamente nova, uma vez que outras organizações jornalísticas já vinham adotando práticas que subvertiam a lógica do caça cliques como estratégia em seus modelos de negócio. A ProPublica, por exemplo, há mais de cinco anos já mensurava seu sucesso mais por impacto do que por pageviews.

Mudanças nas reportagens

Quatro mudanças na forma de reportar os fatos são pontuadas pelo relatório do NYT. As duas primeiras são muito parecidas e veteranas na lista de dicas de produções de reportagens nativas digitais, quais sejam: a exploração de recursos visuais e uma boa combinação de formatos jornalísticos. Eles apontam o sucesso dos textos curtos para smartphones e formatos que usam uma linguagem mais conversacional e menos institucional.

Para estas inovações, trabalhos acadêmicos, que tratam do tema da convergência jornalística (com autores como João Canavilhas, Ramón Salaverría ou Stephen Quinn) e pesquisas de mercado divulgadas anualmente (Digital News Report da Reuters ou da Pew Research) já apontam bons exemplos neste sentido há algum tempo. Além disso, em 2014, por exemplo, o Quartz lançou seu aplicativo de notícias no formato que mistura chat bot e agregador e simula um diálogo, embora limitado, entre usuário e veículo.

Aliás, o uso de bots foi outra ausência notada no projeto de inovação do NYT e apesar de o recurso já está sendo explorado pela CNN, The Guardian e The Washington Post. Estratégias novas para a exploração dos vídeos também passaram de modo bastante discreto.

O terceiro item da lista é uma nova abordagem em jornalismo de serviço. Eles notaram que tiveram grande sucesso na série de guias que ensinavam novas técnicas ou formas de fazer algo.

O último ponto está relacionado à estratégia de colocar o leitor como “grande” parte da reportagem. Apesar da prática também não ser nova, o The Guardian faz isto de modo bastante competente, a decisão vai na contramão das escolhas feitas por sites como a Vice, que recentemente encerrou a sessão de comentários, sob a justificativa de não conseguir moderar a publicação de material ofensivo.

O NYT acredita que o engajamento do usuário fortalece a fidelidade e os seus leitores são uma comunidade que têm a necessidade de falar e aprender uns com os outros sobre uma diversidade de assuntos.

Sobre a equipe

O jornal afirma que tem a melhor equipe de profissionais do mundo, só que precisa treiná-la melhor para fazê-la utilizar de maneira combinada as novas ferramentas para narrar as suas histórias.

Outro problema que precisam enfrentar é acelerar o ritmo de contratação de profissionais de qualidade de fora do país e aumentar a diversidade da redação em termos de raça, de pessoas de fora das áreas metropolitanas, jornalistas mais jovens e não-americanos e de mais mulheres (eles não falam em diversidade de gêneros).

A relação com freelancers também foi relatada, uma vez que suas reportagens estão entre as mais lidas e, em termos financeiros, estes profissionais são mais vantajosos que o staff fixo.

A organização NYT

O relatório termina com mais cinco pontos sobre a forma de trabalho que se pretende executar no NYT até 2020. O primeiro deles diz repeito à necessidade de todo o departamento ter uma visão clara que é bem entendido pela sua equipe. O segundo diz que objetivos devem ser traçados e acompanhados. O terceiro está relacionado à redefinição do sucesso e a criação de métricas mais sofisticadas que os pageviews.

O quarto está ligado à mudanças nos processos de edição, que em alguns momentos é longo demais, mas, ao mesmo tempo, os repórteres indicam que precisam de mais tempo para organizar a narrativas. O penúltimo ponto se refere à necessidade de trabalho em equipe entre a redação e a equipe de produtos do NYT. E por fim, a velha influência do jornal impresso continua sendo muito forte na rotina da organização e essa dominância precisa ser reduzida.

Muitas estratégias e aspirações de mudanças do centenário jornal dos Estados Unidos apresentadas no relatório podem parecer não tão novas no ambiente digital. No entanto, não se pode perder de vista que o NYT é uma das organizações que mais investe em inovação no jornalismo contemporâneo, foi pioneiro no lançamento de aplicativos de notícias antes da chegada nas lojas do iPhone e iPad, consolidou o formato da grande reportagem multimídia quando publicou Snowfall e foi um dos primeiros a explorar a realidade virtual em dispositivos móveis. Portanto, é melhor ficar com a impressão que as inovações serão mais profundas do que as anunciadas.