Basta se aventurar em ler as caixas de comentários das notícias para perceber que a visita pode revelar o que há de pior na raça humana. Os misóginos, racistas e homofóbicos, por exemplo, encontram terreno fértil neste ambiente para se manifestarem. As empresas jornalísticas até tentam fazer filtragens, cadastro de leitores ou limitar os comentários aos assinantes para coordenarem um pouco as discussões no espaço. Mas, outros sites têm sido mais radicais em sua solução: estão abolindo os comentários.

O norte-americano NPR seguiu o The Toronto Star, Vice’s Motherboard, Mic e a Reuters e encerraram os espaços para comentários dos leitores. As justificativas das organizações, além dos comentários preconceituosos, são a falta de equipe para filtragem e tratamento deste material ou a terceirização do espaço para as redes sociais.

A verdade é que poucas empresas jornalísticas souberam lidar com um dos recursos que caracterizam o jornalismo online, desde os seus primeiros anos. Rapidamente aqui agora me lembro do The Guardian, que frequentemente pede informações aos seus leitores e gera conteúdo de qualidade com este material no espaço Guardian Witness. Recentemente, diante das discussões sobre a crise política brasileira, o periódico britânico quis ouvir os brasileiros sobre o impeachment.

A interatividade é uma das marcas do conteúdo jornalístico em plataformas digitais e se manifesta também através do espaço para o feedback dos leitores em tempo real sobre uma postagem. O espaço para os comentários hoje é inspirado na dinâmica das antigas listas de discussões, fóruns, blogs e salas de bate-papo para troca de opiniões e informações, ou antes ainda com o envio de cartas do leitor. No entanto, de modo geral e com algumas exceções, os comentários sempre foram um recurso subaproveitado pelas redações digitais que vivem na correria pela atualização continua.

A justificativa ancorada no fato de que os jornais querem se eximir da responsabilidade de publicar em suas páginas comentários preconceituosos e que incitam a violência acaba punindo aqueles usuários que não se enquadram neste grupo. Nem todo comentarista se enquadra nas características que descrevi lá na abertura deste post. Nesse sentido, jornais como o The Washington Post e o The New York Times preferiram se unir, desde 2014, para criar um software que ajudasse nesta filtragem no lugar de simplesmente abolir os comentários.

Já a terceirização dos comentários para as redes sociais, como o Facebook, tem o perigo da perda do controle e da memória deste material. Na medida em que o tempo passa, a recuperação de postagens antigas é muito mais difícil do que na interface de um site, junto à notícias, por exemplo.

Decisões como estas é mais uma daquelas que vão na contramão da tendência das empresas em tentarem se aproximar cada vez mais dos seus públicos e fidelizá-los. São mais fáceis do que o trabalho de se criar entre os leitores uma cultura pela postagem de comentários realmente produtivos.