Apesar de que estejamos vivendo um momento de propalado esgotamento do debate em torno da idéia de Web 2.0, com base em uma discussão levantada ontem na reunião do GJOL, proponho uma reflexão sobre um aspecto que ainda não vi considerado no contexto dos embates em torno do conceito de Web 2.0 e seus desdobramentos.
Quatro premissas:
1. a discussão sobre Web 2.0 está fortemente centrada na idéia de inteligência coletiva e de produção social e livre compartilhamento do conhecimento;
2. nos primórdios da Web 1.0, esse processo de construção de um “pool” de informações e conhecimentos, ocorria unicamente pela soma de contribuições individuais dispersas em sites, listas e grupos de discussão, cabendo ao usuário a tarefa de buscar e agregar a partir desse manancial disponível;
3. uma primeira forma de agregação ocorreu através de diretórios (como o Yahoo) e portais;
4. na Web 2.0 passamos a dispor de plataformas e ferramentas (MySpace, Del.icio.us, Digg, etc) que produzem uma agregação automática das contribuições individuais, incrementando o potencial de uso (harnessing) dessa inteligência coletiva.
O resultado dessa agregação automatizada tende a produzir porém o que pode ser um efeito perverso: a construção de “pools de conhecimento” por identificação, por semelhança, por proximidade, similitude. Ao entrarmos no site da Amazon, somos saudados por nosso nome e logo nos oferecem uma lista de livros e outros produtos que possivelmente nos interessam. E, na maioria das vezes, eles realmente nos interessam.
Como isso ocorre? Por similitude: os livros que compramos ou vistoriamos são cruzados com outros, que foram comprados ou vistoriados por outros clientes, que também se interessaram pelos que estão em nossa lista de comprados e vistoriados e as recomendações são geradas automaticamente: “se você gostou daquilo, possivelmente gostará disto também”. De forma semelhante, outros agregadores tendem a privilegiar as similitudes, acrescentando ainda o fator plebiscitário: “saved by 567 other people“, como um valor acrescido, como no caso do Del.icio.us.
O perigo me parece ser o estabelecimento de um processo de reforço de um perfil de interesses pré-existente, com pouca ou nenhuma abertura para o contraditório, para o diferente, para o novo, enfim.
Teríamos como caminhar em direção a algoritmos de “cruzamentos de interesses” que além de similaridades pudessem nos oferecer também o contraditório?
Seria muito estimulante se, ao lado das recomendações por similitude, pudéssemos encontrar também indicações do tipo: “pessoas que discordam de tudo que você pensa recomendam estes sites alternativos”?
Ou : “recomendamos este livros que vão se chocar de frente com tudo que você usualmente lê e pensa e deixá-lo horrorizado”?
marcos palacios
19/12/2006 at 16:16
Esses recursos são muito aplicados em sites de comércio eletrônico. Muito improvável que os sites se disponham a oferecer produtos muito diferentes daqueles a que estão acostumados os compradores (muito embora isso não tenha custo nenhum). É mais fácil vender produtos por similitudes do que por contradição.
Agora, em sites mais reflexivos, de idéias e debates, o recurso pode ser muito interessante.
19/12/2006 at 18:34
Raphael,
você tem razão, mas apenas em parte. Primeiro, porque existem muitos e muitos sites em funcionamento usando esses mecanismos de agregação e compartilhamento de informação que não são de caráter comercial. Segundo, mesmo os sites comerciais podem ter interesse em apresentar também indicações por contradição. Afinal, ao me deparar com uma sugestão de um livro que se oponha a minhas idéias, posso ser levado a me interessar em saber o que o autor tem a dizer e fazer a encomenda, aumentando as vendas e os ganhos do empreendimento comercial. Ofertar mais (mas não apenas mais do mesmo) é sempre uma estratégia de mercado promissora.
Obrigado por sua contribuição.
marcos palacios
19/12/2006 at 19:24
Agregar coisas comuns, por similiaridade não é por si só o problema, fazemos isso o tempo todo.
Creio que o grande ponto é, como dito pelo Marcos Palácios, quando esta agregação torna-se limitadora, seja porque a inteligência coletiva ainda não descobriu/reconheceu um novo padrão, ou por ser uma idéia divergente à inteligência coletiva.
Como este processo de agregação/seleção, que embora tenha intervenção humana, ou através do programador que bolou o algorítmo, ou de nós que damos “tags” à informação, é menos transparente quanto ao que estamos descartando (em especial) e por que critérios.
Sem dúvidas há um grande “trade-off” nisso tudo, uma vez que estas ferramentas de agregação no proporcionam um alcance muito maior do que seriamos capazes com nossa agregação cotidiana.
Há um outro ponto, que pode parecer um pouco de paranóia e o é, que diz respeito a como este cruzamento de informações pode ser manipulado para atender determinados interesses, a exemplo do acordo entre a Google e o governo Chinês para restringir determinados resultados em buscas.
31/12/2006 at 11:46
Achei bonito, espelha e complementa o que penso sobre a formação de bolhas de interesse em em comunidades virtuais resultando numa homogeneização do conhecimento (e do pensamento).